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TENDÊNCIAS/DEBATES
Desenvolvimento humano
VIVIANE SENNA
Depois de 12 anos, os indicadores
do Relatório sobre Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
-o PNUD- nos mostram que, apesar
de o Brasil figurar entre as dez maiores
economias industriais do mundo, ainda
estamos muito longe de um mínimo de
equilíbrio entre transformação produtiva e equidade social.
Embora as condições de vida da população não tenham conhecido retrocesso, não se pode constatar nenhuma
melhoria de maior significado. Estamos
na 73ª colocação no ranking do IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano),
atrás de países como Arábia Saudita
(71º) e Venezuela (69º).
A discrepância entre o PIB e o IDH
nos dá a dimensão do desafio ético, político, econômico e social com que nos
confrontamos neste início de milênio.
De fato, em 500 anos de história, acumulamos um passivo social cujo resgate
só poderá ser empreendido pela convergência e complementaridade de esforços das políticas públicas, do mundo
empresarial e das organizações sem fins
lucrativos, que integram o chamado terceiro setor.
Desde os anos 90, o PNUD vem projetando no campo do desenvolvimento as
várias dimensões dos direitos humanos,
passando a considerar como mais desenvolvidas aquelas sociedades capazes
de assegurar, para o conjunto de seus cidadãos, o acesso a patamares mais elevados de bem-estar e de dignidade. Nessa perspectiva, o desenvolvimento caracteriza-se como um processo multidimensional e progressivo, envolvendo a
garantia de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais,
considerados em sua universalidade e
em sua indivisibilidade.
A incorporação dos direitos humanos
como eixo sustentador e medida de
progresso no campo do desenvolvimento permitiu a construção do conceito de desenvolvimento sustentável
como um processo capaz de integrar dimensões como produtividade, equidade, sustentabilidade, participação nas
decisões, segurança e cooperação.
O grande desafio do Brasil é assegurar
a estabilização econômica conquistada
na segunda metade dos anos 90 e, a partir dela, instalar uma tendência irreversível em direção à elevação do nosso Índice de Desenvolvimento Humano.
Persistir na via da priorização quase absoluta do econômico sobre o social poderá -como já está ocorrendo nas periferias de nossas maiores regiões metropolitanas- aprofundar ainda mais
o processo de ruptura das bases do convívio das pessoas e dos grupos entre si e
com as instituições.
O ponto de não-retorno no processo de desagregação social começa a ser perigosamente ultrapassado
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A substituição da presença do Estado
pelo crime organizado em algumas
áreas é o sinal mais evidente de que o
ponto de não-retorno no processo de
desagregação social começa a ser perigosamente ultrapassado.
Diante desse quadro, impõe-se, de
forma inarredável e urgente, a adoção
de uma ética de co-responsabilidade
entre os três grandes setores da vida nacional. Cumpre ao Estado não abrir
mão de seus fins universais e se empenhar na construção de políticas públicas
efetivamente redistributivas e autopromotoras. Ao mundo empresarial, cabe
identificar aspectos relevantes do desenvolvimento social brasileiro e atuar
de forma complementar ao poder público, no sentido do aumento e da melhoria das ações no foco eleito.
Por fim, às organizações do terceiro
setor cabe, com sua sensibilidade, espírito de luta e criatividade pessoal, institucional e comunitária, contribuir para
a expansão dos limites do possível, através da produção de idéias e iniciativas
que se mostrem capazes de promover a
alteração das ações do governo e das
empresas, no que diz respeito ao bem
comum.
Essa nova ótica e essa nova ética precisam ser instaladas na consciência social
do nosso tempo. Essa foi a razão de termos elegido o desenvolvimento humano como tema do Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo para esta década. Estamos certos de que somente um
grande esforço de ampliação e qualificação da demanda por um progresso
humanístico poderá criar as condições
para que a cidadania possa vencer.
Num ano eleitoral, é certo que a abordagem desse tema assume uma relevância ainda maior.
Viviane Senna, 45, psicóloga e empresária, é
presidente do Instituto Ayrton Senna.
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