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TENDÊNCIAS/DEBATES
Vida mais longa do que se esperava
JOSÉ CECHIN
Cientistas chamam a atenção
para o fato de que governos ocidentais subestimam drasticamente o
tempo de vida de seus cidadãos. Afirmam que, nos próximos 70 anos, a esperança de vida das mulheres americanas alcançará 101 anos -a projeção oficial é de 83,9 anos-; que o governo britânico é muito conservador ao projetar,
para 2025, esperanças de vida de 79 e 83
anos (para homens e mulheres, respectivamente), já prevalecentes no Japão.
Segundo eles, é pessimista imaginar que
seriam necessários 25 anos para alcançar essas esperanças de vida.
O aumento da esperança de vida, portanto, apresenta desafios importantes
para a sociedade nas áreas da saúde,
previdência e assistência social. A sociedade deve estar pronta para debater políticas de enfrentamento de suas consequências. Políticas desenhadas sobre hipóteses incorretas ou negligenciando
tendências evidentes deixarão a sociedade desestruturada.
Na Inglaterra, o presidente do Comitê
Parlamentar Interpartidário de Previdência Social propôs a formação de um
comitê independente para ajustar a idade de aposentadoria, que, segundo ele,
deveria ser fixada em 74 anos, para
guardar correspondência com a esperança de vida de 1948, ano de adoção do
sistema público britânico de pensões.
Se, como ministro da Previdência, eu
ignorar uma tendência historicamente
observada, as chances são de que nada
seja proposto para um prudente ajuste
das políticas previdenciárias. Por outro
lado, se apenas o governo adotar essa visão, parte da sociedade poderá tomar o
fato como alarmista. O tema precisa ser
debatido amplamente, para que todos
formem opinião equilibrada e apóiem e
até exijam medidas de adaptação.
O aumento da esperança de vida é resultado de longo processo de desenvolvimento. As melhorias materiais reduziram a mortalidade e a urbanização alterou costumes, inclusive a fecundidade. Viveu-se a chamada transição demográfica, lenta nos países de industrialização antiga e célere nos outros.
Para ilustrar, no Reino Unido, passou
de 48 anos, em 1901, para 75 anos, em
2000. No Brasil, passou de 40 anos, na
década de 40, para 68 anos, em 2000.
Atualmente, no Brasil, aumenta três
meses por ano, com perspectivas de
crescimento contínuo, dada a diminuição da ainda alta mortalidade infantil.
O que importa para a Previdência é a
esperança de vida na idade de aposentadoria, pois essa define a duração média
do benefício. A presente tábua de vida,
por idade, do IBGE, indica que o brasileiro, ao nascer, tem uma esperança de
vida de 68,6 anos. Mas a geração de 50
anos tem expectativa de viver até os
75,5; a de 55 anos, até os 76,5; a de 60
anos, até 77,8; a de 65 anos, até 79,3
anos. Assim, uma aposentadoria concedida aos 55 anos de idade tem uma duração média de 21,5 anos; aos 60 anos,
de 17,8 anos; etc.
A Previdência brasileira admitia, até
1998, aposentar por tempo de serviço
quem tivesse 25 (mulheres) ou 30 (homens) anos de trabalho, o que permitia
aposentadorias em baixas idades. A idade média das 417,4 mil pessoas aposentadas por tempo de serviço em 1997 foi
de menos de 48 anos, idade que havia
caído um ano em cada um dos cinco
anos anteriores. Após a reforma da Previdência e a Lei do Fator Previdenciário,
a idade média subiu para 54 anos.
Uma Previdência sustentável exige novas reformas, que levem em conta essa tendência de vida mais longa
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Essas baixas faixas de idade decorrem
de característica do sistema brasileiro: a
falta de uma idade mínima. Em consequência, a duração média das aposentadorias no Brasil supera 20 anos -maior
do que a dos países desenvolvidos, de 18
anos. O incrível é que se vive, no Brasil,
um período como aposentado mais
longo do que nos países avançados, embora aqui a vida seja mais curta.
Vivíamos na contramão da história:
enquanto aumentavam as esperanças
de vida, o sistema admitia reduções nas
já baixas idades de aposentadoria. As
reformas estão revertendo essa situação. Mas ainda há muito por fazer, considerando o ritmo atual de aumento da
esperança de vida nas idades avançadas.
Segundo dados do IBGE, em 2001 a esperança de vida dos 20 milhões de beneficiários do INSS aumentou 42 dias,
acarretando gasto adicional de US$ 9 bilhões, diluídos nos próximos 40 anos.
Uma Previdência sustentável exige
novas reformas, que levem em conta essa tendência de vida mais longa. No passado, os ajustes nos desequilíbrios financeiros recorrentes foram equacionados com aumento das contribuições
ou com o trabalho sujo da inflação.
Há uma terceira forma, nunca adotada: o alongamento do período de trabalho e de contribuição, para quem se
aposenta com baixa idade. Parece-me
defensável que o período adicional de
vida seja repartido entre uma parcela
em atividade e contribuição e outra em
usufruto da aposentadoria. É preciso estimular mais a postergação das aposentadorias por tempo de contribuição.
As pessoas que se aposentam jovens
são as mais bem colocadas no mercado
de trabalho, com os maiores salários e
boas oportunidades de emprego após a
aposentadoria, cuja duração pode se estender por períodos tão longos quanto
os de vida contributiva e que continuam
trabalhando mesmo aposentados. Para
eles, a aposentadoria é só uma segunda
renda no meio da vida de trabalho.
A sociedade tem de decidir se continuará aposentando pessoas de baixa
idade e arcando com os custos correspondentes ou se criará novos e mais poderosos estímulos para que a aposentadoria ocorra em idades mais altas.
José Cechin, 51, é ministro da Previdência e Assistência Social.
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