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O ATO MÉDICO
Nos corredores do Senado
Federal, trava-se uma verdadeira guerra das corporações. De um
lado, estão os médicos, que tentam
aprovar projeto de seu interesse que
define e regulamenta o ato médico.
De outro, estão os conselhos federais
e regionais de biologia, biomedicina,
educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia e terapia ocupacional, fonoaudiologia, nutrição,
odontologia, psicologia, serviço social e técnicos em radiologia.
O projeto de lei em discussão, como apresentado pelo ex-senador Geraldo Althoff (PFL-SC), aliás um médico, é inquietantemente corporativo. Para começar, ele torna privativos
da classe médica todos os "procedimentos diagnósticos" e "indicações
terapêuticas". Segundo os adversários da proposta, o dispositivo impede profissionais não-médicos de
atuar sem que o paciente lhes tenha
sido encaminhado por um médico.
O texto, de fato, dá margem a essa
interpretação. Mas é pouco provável
que isso venha a ocorrer no setor privado. A norma, na forma em que está
enunciada, não proíbe as pessoas de
procurar psicólogos, fonoaudiólogos ou qualquer outro profissional
sem indicação terapêutica, se esse
for o seu desejo.
No setor público, a situação é um
pouco mais delicada. Dependendo
de como as chefias de postos e hospitais interpretarem a lei, é possível
que se estabeleçam rotinas em que o
encaminhamento médico se torne,
na prática, obrigatório.
E, por falar em chefias, o projeto
original também avança sobre elas.
De acordo com o artigo 3º do PLS
25/2002, "as atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão e ensino dos procedimentos médicos devem ser unicamente exercidos por médicos".
O senador Tião Viana (PT-AC), que
também é médico, escreveu um
substitutivo menos radical, que relativiza um pouco a exclusividade dos
diagnósticos e prescrições e que deixa claro que médicos podem responder administrativamente a não-médicos. É um avanço, mas não basta
para retirar o tom excessivamente
corporativista da proposta.
Seus críticos argumentam também, não sem razão, que a filosofia
por trás do projeto está ultrapassada.
Baseia-se num modelo de atenção à
saúde centrado no atendimento clínico, individual e hospitalocêntrico.
Mais do que isso, a concepção da
proposta contraria conceitos mais
modernos como a multidisciplinaridade e a noção de saúde integral.
É o caso de perguntar se a regulamentação do ato médico é, de fato,
necessária. Talvez não seja possível
definir "a priori" o que cabe exclusivamente a cada profissional, que, de
resto, se entendem relativamente
bem no dia-a-dia de um hospital. No
mais, não parece que a possibilidade
de psicólogos, fonoaudiólogos ou
outros profissionais fazerem diagnósticos e indicações de tratamento
em sua área ameace a sociedade.
Espera-se agora que essas categorias, tendo experimentado os dissabores do corporativismo, revejam
seus próprios estatutos, freqüentemente tão corporativos e exclusivistas quanto o que os médicos agora
querem impingir-lhes.
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