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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Era só o que faltava...
Fazia muito tempo que ela não telefonava. Comecei a me preocupar. Afinal, ela já passou dos 75 e, pessoas dessa faixa etária, na qual me incluo..., deixemos para lá o que para todos é óbvio...
Em vista do "ensurdecedor silêncio", liguei para a amiga, perguntando
logo sobre sua saúde, ao que ela respondeu: passei três semanas no hospital. Estou desesperada, estarrecida,
enfurecida.
Assustei-me. Afinal, a Joaninha
sempre teve uma saúde de ferro. Não
era qualquer gripezinha que a derrubava. No nosso tempo de escola, era a
mais forte das garotas, a única que tomava banho frio, que vinha e voltava a
pé (caminhando 12 quilômetros), que
ajudava a mãe na limpeza do casarão
que abrigava seus nove irmãos, que ia
na missa da tarde não só para rezar
mas também para arrumar o altar e a
bagunça que o padre João deixava na
sacristia.
Formada professora, a Joaninha
continuou elétrica. Nos seus 40 anos
de magistério, sempre foi a primeira a
chegar e a última sair da escola, levando para casa uma montanha de cadernos para corrigir. E, até o mês passado, estava lépida e faceira.
Por isso estranhei. Acabou dizendo
que foi acompanhante da sua irmã, internada às pressas em um hospital público no vale do Paraíba devido a uma
queda na banheira acompanhada de
crise cardíaca.
E por que os protestos? Em primeiro
lugar, devido à dificuldade que teve
para visitar a irmã na enfermaria do
SUS. Até aí, tudo bem, pois visitantes,
muitas vezes, mais atrapalham do que
ajudam, especialmente quando disparam a falar como aquelas matracas giratórias que nunca param.
Em segundo lugar, devido à péssima
assistência dispensada à sua irmã. Ela,
que é epiléptica, foi logo avisada de
que o SUS não cobre as despesas com
aquela doença nem os gastos com placas e parafusos (R$ 6.000) que seriam
necessários para reparar o fêmur. A
crise cardíaca exigiria uma angioplastia com colocação de "stent" (R$
4.000) que também não seria coberta
pelo SUS.
A Joaninha desesperou-se. Sem ter
de onde tirar, teve de recorrer a parentes e amigos para parafusar a perna e
abrir a artéria da irmã, tendo sabido
ainda que, para fazer trabalhos tão
complexos, o ortopedista e o angiologista recebem do SUS honorários vergonhosos. Pobres médicos!
Quantas Joaninhas passam por esse
martírio neste Brasil, cujo governo arrecada 37% do PIB em impostos e
quer arrecadar ainda mais?
Gravíssima, nestes dias, é a ameaça
de cortar e redirecionar as parcas verbas da saúde para outros programas,
como o Fome Zero. A imprensa está
repleta de depoimentos de especialistas denunciando que, em uma situação calamitosa como a atual, tirar recursos da saúde é um crime inadmissível e inaceitável. Que os parlamentares atentem bem para o que vão fazer
com o Orçamento de 2004!
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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