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O FOCO DA CRÍTICA
O tempo dirá se a entrevista da
economista e colunista da Folha Maria da Conceição Tavares, publicada na segunda-feira, foi um
marco neste início de gestão de Luiz
Inácio Lula da Silva. Na esteira da repercussão de suas críticas, acentuou-se um debate no governo, envolvendo ministros e outros quadros graduados do petismo, acerca dos fundamentos da política econômica até
aqui implementada.
O bombardeio verbal de Conceição
Tavares tinha um alvo bem mais restrito: a suposta intenção de um assessor de segundo escalão do Ministério da Fazenda de interferir na condução da política social, inspirado
no "modelo chileno" de desmonte
de programas de bem-estar social de
caráter universalista.
Ficou patente o cuidado da economista de preservar de ataques o ministro Palocci. Como se o documento oficial do ministério que delineia
as propostas de política econômica
para os próximos anos e que encampa a tese da "focalização" no campo
social (denominado "Política Econômica e Reformas Estruturais") pudesse ter vindo a público sem o endosso do ministro da Fazenda.
Mas o ponto a enfatizar é que a repercussão das palavras da economista foi muito além da discussão entre
universalização e focalização da política social. Talvez inspirados pelas
críticas cifradas, na entrevista, à
apreciação repentina do real e ao
diagnóstico, expresso no documento citado, de que o principal alvo da
política econômica deve ser o ajuste
fiscal, e não o estrangulamento externo, talvez sentindo-se "liberados"
pela decana do pensamento econômico petista ou talvez pelo simples
transbordar de descontentamento
acumulado durante meses, ministros começaram a tornar pública sua
oposição às consequências da política fiscal restritiva.
Além disso, surgiram de outras
áreas do governismo, notadamente
do Ministério do Planejamento e da
liderança do governo no Senado, críticas frontais à idéia, defendida reiteradas vezes por Palocci, de que o
câmbio não deve sofrer intervenções
da política econômica. A resposta do
ministro da Fazenda às críticas dos
colegas, transferindo ao presidente
da República a responsabilidade pela
estratégia de ignorar os movimentos
de curto prazo do dólar, pode ser sintoma de que a hegemonia do receituário ortodoxo corre algum risco.
Anteposição de forças análoga surgiu no governo FHC. Foi resolvida
pelo antecessor de Lula em favor do
grupo que advogava que o remédio
político fundamental para os males
da economia brasileira seria o ajuste
fiscal. Aqueles que partilhavam da
mesma visão de fundo de Conceição
Tavares -a de que um problema
fundamental a atacar seria a vulnerabilidade externa- foram progressivamente afastados do centro de decisões sobre política econômica.
É cedo para dizer que a tensão acerca da condução macroeconômica tenha se instaurado de forma indissolúvel no governismo petista. Não é
despropositado, porém, cogitar de
que, em algum momento, isso vá
acontecer. E, nesse momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá
de deixar de lado o seu figurino de
paz e amor -o seu por ora bem-humorado distanciamento do que se
passa na área econômica- e decidir
entre um ou outro grupo.
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