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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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O FOCO DA CRÍTICA

O tempo dirá se a entrevista da economista e colunista da Folha Maria da Conceição Tavares, publicada na segunda-feira, foi um marco neste início de gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Na esteira da repercussão de suas críticas, acentuou-se um debate no governo, envolvendo ministros e outros quadros graduados do petismo, acerca dos fundamentos da política econômica até aqui implementada.
O bombardeio verbal de Conceição Tavares tinha um alvo bem mais restrito: a suposta intenção de um assessor de segundo escalão do Ministério da Fazenda de interferir na condução da política social, inspirado no "modelo chileno" de desmonte de programas de bem-estar social de caráter universalista.
Ficou patente o cuidado da economista de preservar de ataques o ministro Palocci. Como se o documento oficial do ministério que delineia as propostas de política econômica para os próximos anos e que encampa a tese da "focalização" no campo social (denominado "Política Econômica e Reformas Estruturais") pudesse ter vindo a público sem o endosso do ministro da Fazenda.
Mas o ponto a enfatizar é que a repercussão das palavras da economista foi muito além da discussão entre universalização e focalização da política social. Talvez inspirados pelas críticas cifradas, na entrevista, à apreciação repentina do real e ao diagnóstico, expresso no documento citado, de que o principal alvo da política econômica deve ser o ajuste fiscal, e não o estrangulamento externo, talvez sentindo-se "liberados" pela decana do pensamento econômico petista ou talvez pelo simples transbordar de descontentamento acumulado durante meses, ministros começaram a tornar pública sua oposição às consequências da política fiscal restritiva.
Além disso, surgiram de outras áreas do governismo, notadamente do Ministério do Planejamento e da liderança do governo no Senado, críticas frontais à idéia, defendida reiteradas vezes por Palocci, de que o câmbio não deve sofrer intervenções da política econômica. A resposta do ministro da Fazenda às críticas dos colegas, transferindo ao presidente da República a responsabilidade pela estratégia de ignorar os movimentos de curto prazo do dólar, pode ser sintoma de que a hegemonia do receituário ortodoxo corre algum risco.
Anteposição de forças análoga surgiu no governo FHC. Foi resolvida pelo antecessor de Lula em favor do grupo que advogava que o remédio político fundamental para os males da economia brasileira seria o ajuste fiscal. Aqueles que partilhavam da mesma visão de fundo de Conceição Tavares -a de que um problema fundamental a atacar seria a vulnerabilidade externa- foram progressivamente afastados do centro de decisões sobre política econômica.
É cedo para dizer que a tensão acerca da condução macroeconômica tenha se instaurado de forma indissolúvel no governismo petista. Não é despropositado, porém, cogitar de que, em algum momento, isso vá acontecer. E, nesse momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de deixar de lado o seu figurino de paz e amor -o seu por ora bem-humorado distanciamento do que se passa na área econômica- e decidir entre um ou outro grupo.


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