UOL




São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DESTRUIÇÃO CULTURAL

Entre os vários crimes cometidos na guerra do Iraque está o desaparecimento de inestimáveis tesouros arqueológicos que foram destruídos nos bombardeios ou roubados nos saques que varreram o país depois da queda de Saddam.
Ainda é cedo para calcular os prejuízos, mas as estimativas mais pessimistas mencionam o número de 170 mil itens aniquilados ou desaparecidos. A região do atual Iraque pode, sem medo de exagero, ser qualificada como o berço da civilização. Por lá floresceram as civilizações suméria, acádia, assíria e babilônica. Foi lá que surgiu a primeira escrita. São 10 mil anos de história que podem ter perdido alguns de seus mais significativos registros. Seria difícil imaginar outro lugar onde uma guerra poderia causar maior destruição para o patrimônio cultural da humanidade.
Os EUA não podem ser isentados de culpa. Além de fazer uma guerra absolutamente desnecessária, deixaram de tomar as providências mínimas para evitar a pilhagem do Museu Nacional do Iraque, da Biblioteca Nacional e de vários outros museus e arquivos, além de sítios arqueológicos. O problema dos saques era tão previsível que há até informações de que quadrilhas especializadas em roubo de obras de arte foram para o Iraque para participar do butim.
Especialistas em antiguidades alemães lançaram na semana passada um apelo a governos de todo o mundo para que se cotizassem para pagar guardas para preservar o que ainda esteja em museus iraquianos. Lembraram que um guarda pode ser contratado por apenas US$ 3 por dia.
Entre as preciosidades insubstituíveis que já desapareceram está o vaso Warka, que foi esculpido em alabastro na antiga Suméria mais de 5.000 anos atrás. Trata-se da mais antiga obra artística conhecida a retratar uma cena de devoção religiosa: a deusa Innin recebendo tributo.
Também parece ter-se perdido a Biblioteca de Sippar, uma coleção de cerca de 800 tabletes de barro com escrita cuneiforme babilônica do século 6º a.C. É a mais antiga coleção de obras encontrada em seu lugar original. Ela foi escavada em 1986 e inclui partes do épico "Gilgamesh", a mais antiga obra literária de fôlego do mundo, comparável à "Ilíada" de Homero. Traz também os primeiros textos científicos de astronomia e matemática da humanidade, além do prólogo ao Código de Hammurabi, o primeiro legislador. Boa parte do acervo da biblioteca não havia sido decifrada nem publicada.
É claro que, diante das perdas humanas provocadas pela guerra, o desaparecimento de tesouros arqueológicos parece um crime menor. Mas não deixa de ser chocante que Washington e os militares norte-americanos tenham se preocupado, desde o primeiro dia, em proteger de pilhagem as instalações do Ministério do Petróleo e deixado à sanha dos saqueadores hospitais, museus e tudo aquilo que não diga respeito ao tão cobiçado petróleo.


Texto Anterior: Editoriais: O FOCO DA CRÍTICA
Próximo Texto: Buenos Aires - Clóvis Rossi: A hora do "pró-sociedade"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.