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REFORMA DA PREVIDÊNCIA
O relatório da reforma da
Previdência, aprovado na
quarta-feira pela comissão especial
da Câmara, pode ser visto como o resultado híbrido de uma negociação
que envolve duas visões distintas e
antagônicas do problema.
De um lado estão os que defendem
o caráter público e universal da Previdência, com base num sistema solidário de contribuição, tal como previsto pela Constituição de 1988, que
instituiu a chamada seguridade social. Segundo essa visão, os servidores merecem tratamento diferenciado, uma vez que estão engajados em
carreiras de Estado, para as quais
não há livre mercado nem benefícios
como o Fundo de Garantia. Diferenciar o funcionalismo seria valorizar o
papel do Estado e zelar pelo bom desempenho das funções públicas. Haveria correções a fazer, mas não mudanças estruturais.
Essa corrente enfatiza que a seguridade social registrou excedente de
caixa de R$ 36 bilhões em 2002. Esse
sistema, criado pela atual Constituição, reúne a saúde, a assistência social e a Previdência dos trabalhadores
do setor privado e conta com fontes
de receitas "carimbadas" para mantê-lo -tais como Cofins e CPMF.
A argumentação ideológica adotada pelos que defendem essas concepções tem sublinhado o combate à
"privatização" da Previdência e ao
"desmanche do Estado".
Contrapondo-se a essa linha, outrora adotada pelo PT, há uma outra
tendência. Seus defensores entendem que, mesmo havendo sobra de
caixa na seguridade, ela é ilusória,
tendo em vista obrigações futuras.
Além disso, esse sistema abocanha
fatia excessiva do Orçamento. Quanto à Previdência dos servidores tal como existe, seria inviável, entre outros
motivos, por ter chegado a uma relação de 0,9 por 1 entre funcionários na
ativa e aposentados, acarretando déficit insustentável. O custo do sistema de seguridade e o da Previdência
do funcionalismo contribuiria para
diminuir a capacidade de o Estado
investir em outras áreas, problema
agravado, ainda, pelo elevado endividamento público.
Seria, portanto, imprescindível
promover uma reforma estrutural,
aliviando o setor público do ônus das
aposentadorias e pensões, que deveriam passar a advir de um regime
contributivo baseado em fundos de
pensão. Seria desejável também, ainda de acordo com essa perspectiva,
que se reexaminassem os recursos
destinados a programas de assistência social, que quadruplicaram entre
1987 e 2002, atingindo 20% das despesas não-financeiras da União.
A principal linha ideológica de defesa dessa visão tem sido o combate
ao "déficit insustentável" e a necessidade de "eliminar privilégios".
O projeto de reforma a ser votado
acabou por costurar elementos dessas duas vertentes. Preserva-se a Previdência pública e universal, mas
cria-se um patamar de R$ 2.400 ao
mês. A partir daí, os interessados em
obter maiores rendimentos na aposentadoria deverão ingressar em fundos de pensão.
Trata-se, nesse sentido, de uma
proposta "possível" de reforma. Obtém ganhos fiscais estimados em
pouco mais de R$ 50 bilhões nos
próximos 20 anos e oferece ao mercado garantias de que no longo prazo as contas públicas não deverão ser
desajustadas pela Previdência.
Restam, porém, problemas a enfrentar, a começar pela formação dos
fundos. Prevêem-se resistências ao
regime de contribuição definida, ou
seja, aquele que estipula o valor dos
pagamentos, mas não o do benefício, que depende da gestão do fundo.
Além disso, a transição para o novo
modelo afigura-se custosa. Os fundos serão montados também com
recursos do Estado, que terá que arcar com despesas do antigo e do novo regime. Isso explica, em parte, a
busca de receitas através da taxação
de inativos e do alongamento da idade mínima e do tempo de carreira de
servidores para aposentadoria.
Outro caso à espera de solução é o
dos trabalhadores informais, que
não contribuem para a Previdência e
estarão desamparados no futuro.
De um modo geral, no entanto, pode-se considerar que o relatório é positivo. Ainda que incompleto, sinaliza, corretamente, um alívio para o
setor público e abre perspectivas para uma Previdência com regras mais
claras e homogêneas.
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