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Mais controle judicial
Queixa de advogados contra abusos policiais procede, mas remédio proposto para coibi-los não é o mais adequado
CABE AO presidente Luiz
Inácio Lula da Silva vetar o projeto de lei complementar (PLC) nº 36,
que torna invioláveis os escritórios de advocacia. A queixa dos
profissionais do direito contra
abusos cometidos por autoridades é totalmente procedente,
mas o remédio proposto para
combatê-los é inadequado.
Lamentavelmente, alguns policiais se habituaram nos últimos
anos a investigar suspeitos tomando o atalho de bisbilhotar
seus advogados. Conseguem um
mandado de busca e apreensão
contra o escritório e põem as
mãos numa série de documentos
que tentarão usar como provas
contra os investigados. O expediente, contudo, configura burla
inaceitável dos princípios constitucionais do sigilo profissional
e do direito à ampla defesa.
O PLC nº 36, de autoria do deputado Michel Temer (PMDB-SP), pretende consertar a distorção alterando o artigo 7º da lei nº
8.906 (Estatuto da Advocacia),
que já prevê a inviolabilidade de
escritório e material de trabalho
de advogados, "salvo caso de busca ou apreensão determinada
por magistrado e acompanhada
de representante da OAB".
O que o PLC nº 36 fundamentalmente faz é restringir de tal
forma essa cláusula de exceção
que ela se torna quase inaplicável. Pelo texto proposto, apenas
se o próprio advogado for suspeito de crime, a autoridade judiciária poderá decretar a quebra da
inviolabilidade do escritório,
mas não a utilização dos documentos e mídias ali presentes.
É um nível de proteção superior ao que a Constituição (art.
5º, XI) atribui à casa do cidadão,
que não tem imunidade contra
ordens judiciais. Cumprido à risca o dispositivo, escritórios de
advocacia se converteriam em
"cofres jurídicos", nos quais bandidos poderiam depositar despreocupadamente todo tipo de
documentos incriminatórios.
Como costuma ocorrer no Brasil, o problema não está na ausência ou na inadequação das
leis, mas no fato de que elas não
são aplicadas como deveriam. As
regras relativas à concessão de
mandados de busca e apreensão
(CPP art. 240 e seguintes) já exigem que as ordens sejam sempre
específicas e baseadas em "fundadas razões", isto é, após a apresentação de indícios de autoria e
materialidade do delito. Na prática, alguns magistrados renunciaram a exercer esse controle
próprio da autoridade judicial,
expedindo a busca e apreensão
sem as precauções devidas.
Apenas ampliar a inviolabilidade de escritórios representa
assim uma falsa solução. O que se
deseja é equilibrar a necessidade
de investigar os atos de pessoas
sobre as quais recaiam suspeitas
solidamente fundamentadas
-não importa sua atividade profissional- com o princípio da
presunção de inocência.
O modo de resolver o problema é ajustar procedimentos no
Judiciário, assegurando que a
suspensão de direitos só ocorrerá mediante satisfação das rígidas exigências legais existentes.
O PLC nº 36, apesar da boa intenção, é peça pouco republicana
e fica aquém de prevenir, para o
conjunto dos cidadãos, os abusos
que deseja combater.
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