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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Grampos, algemas e elites
SÃO PAULO - "Chegamos a um
ponto em que temos de nos acostumar com o seguinte: falar no telefone com a presunção de que alguém
está escutando". Tarso Genro tem
companhia, além do colega José
Múcio, que comparou seu celular a
uma "rádio comunitária". Alçado ao
Ministério da Justiça por FHC em
1997, o então senador goiano Iris
Rezende também dizia que "o crime, muitas vezes, é inevitável".
Rezende era um tipo de capitão-do-mato, testemunha involuntária
da cegueira da Justiça numa época
em que o tucanato todo-poderoso
reservava aquela pasta para acertos
com a fisiologia e o atraso.
Evoluímos. No lugar do capataz,
temos um falastrão do direito a comandar a temida PF. Conceda-se
ao ministro Genro, como atenuante, que fazia uma "boutade" quando
disse à platéia que, sim, estamos todos virtualmente grampeados e a
vida é assim mesmo, ora, ora.
Um consumidor (ou cidadão?)
menos afeito a ironias poderá não
gostar da piada e exigir indenização
(do governo?, das telefônicas?).
Mas Genro devia falar muito sério quando disse que as elites dão ao
país uma inestimável contribuição
ao apontar "lacunas legais" e "abusos" da polícia, o que só fazem agora
porque a PF chegou até seu quintal.
O ministro brinca de luta de classes enquanto o governo a que serve
as acomoda. Lula trata suas elites a
pão-de-ló. A faxina da PF parece, de
resto, seletiva. Quem se lembra dos
"aloprados"? No final, tanto som e
tanta fúria talvez tornem o país
mais espetacular do que justo.
Genro, porém, nos oferece um
suflê requentado do marxismo de
almanaque mastigado pela retórica
do bacharel. Quer fazer da universalização das algemas uma metáfora dos novos tempos republicanos.
Talvez acredite pavimentar seu caminho para 2010. Mas convém
combinar com o mundo real. Os
corpos que vemos diariamente na
TV sendo arrastados até os camburões mostram que algema, para
bandido pobre, ainda é privilégio de
poucos, só uma pulseirinha de luxo.
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