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FREDERICO VASCONCELOS
Minha lista de "fichas sujas"
NAS ELEIÇÕES municipais
de 2004, quando a Associação dos Magistrados Brasileiros ainda não imaginava dar publicidade ao prontuário de candidatos suspeitos de improbidade, fizemos o cruzamento de informações do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) e da CGU (Controladoria
Geral da União). Foram identificados 40 prefeitos que disputavam a
reeleição, mesmo com graves irregularidades apontadas por auditorias da CGU. O mau uso ou desvio
de recursos federais repassados
afetava principalmente programas
de educação e saúde.
A reportagem da Folha antecipou uma lista de candidatos com
"fichas sujas". Metade desses prefeitos sob suspeição se reelegeu.
O prefeito de São Francisco do
Conde (BA), Antônio Calmon (do
então PFL), por exemplo, foi acusado de contratar obras superfaturadas, fraudar licitações e usar
apartamento de empreiteira. Foi
candidato pela coligação "O progresso não pode parar". O progresso de Calmon não deve ter parado:
foi reeleito com 99,53% dos votos.
Giovanni Brillantino (então
PFL), prefeito de Itagimirim (BA),
foi acusado de pagar antecipadamente por serviços não-executados, fazer licitações com indícios
de fraude e publicar sua foto em
cadernos escolares. Brillantino
disputou um novo mandato pela
coligação "Pra fazer muito mais".
Deve ter feito muito mais no período seguinte, para o qual foi reconduzido com 61,27% dos votos.
São Francisco do Conde tem 27
mil habitantes, mas Calmon comprou 60 mil fichas para controle de
doenças contagiosas. Pagou R$
629 mil por 4,3 milhões de elásticos para prender dinheiro, nunca
entregues. Desembolsou R$ 2,2
milhões na locação de 108 automóveis. Alguns veículos luxuosos
eram usados por sua família.
Brillantino colocou sua foto na
capa de 5.500 cadernos escolares.
Alegou que não houve promoção
pessoal, pois a foto era reduzida e
de baixa qualidade. Teria pago reforma de escolas com cheque nominal ao secretário de Finanças e
simulado o pagamento à empresa.
Foram também reeleitos, entre
outros, o prefeito de Rodolfo Fernandes (RN), Francisco Germano
(do então PFL), acusado de forjar
licitações e de ser o próprio construtor de casas populares com recursos federais; o de Pitimbu (PB),
Hércules Ribeiro (PTB), suspeito
de pagar a uma empreiteira pela
perfuração de um poço já aberto.
Enquanto se discute se a AMB
deve publicar sua lista, o STJ acaba
de suspender liminar que afastara
Giovanni Brillantino do cargo, pois
não viu risco de que ele interferisse
nas provas. O cidadão não deve entender por que um juiz da cidade
afasta o prefeito, por cautela, e o
tribunal superior o reconduz. É
porque, alega-se, a Justiça não pode interferir em outro Poder.
FREDERICO VASCONCELOS é repórter especial da
Folha.
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