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TENDÊNCIAS/DEBATES
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Poder Judiciário em crise?
FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS e NINO OLIVEIRA TOLDO
Os últimos dias têm sido importantes para o Poder Judiciário e devem servir de marco histórico para a jovem democracia de nosso país
OS ÚLTIMOS dias têm sido importantes para o Poder Judiciário e devem servir de marco
histórico para a jovem democracia de
nosso país.
No dia 11 de julho, em feito inédito,
juízes federais de São Paulo manifestaram publicamente sua indignação
diante de decisão do presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal),
que, ao conceder medida liminar em
habeas corpus, determinou o encaminhamento de cópia de sua decisão a
órgãos administrativos, sem especificar a razão pela qual o fazia.
Interpretaram os magistrados que
tal atitude representava intenção de
mandar investigar, no âmbito disciplinar, a conduta do juiz de primeira
instância. Em resposta a correspondência da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), o ministro
afirmou que "em nenhum momento
houve determinação de que se procedesse a qualquer averiguação de conteúdo, quer sob o ponto de vista técnico, quer ideológico, de provimento judicial" e que tal determinação visava
"unicamente complementar estudos
destinados à regulamentação de medidas constritivas de liberdade, ora
em andamento tanto no Conselho
Nacional de Justiça quanto no Conselho da Justiça Federal".
Diante disso, os juízes federais de
São Paulo, reforçados pelo apoio de
mais de 400 magistrados de todo o
Brasil, bem como de membros do Ministério Público, da Polícia Federal e
de inúmeras associações de classe e
órgãos da sociedade civil, manifestaram, em ato público, irrestrito apoio
ao juiz federal, defendendo a independência funcional da magistratura.
Estaria o Poder Judiciário em crise? O que se pode tirar de lição de tão
belo e importante movimento?
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o Poder Judiciário não está em crise. Não é da cultura de nosso
país que juízes se manifestem publicamente, contestando posições da cúpula do Poder. No entanto, é preciso
entender que os magistrados são cidadãos, conscientes de seus direitos e
de seus deveres; têm sentimentos, são
altamente preparados para desempenhar a importante função de julgar.
Por isso, têm aguçado senso crítico, e
a crítica é inerente à democracia.
O presidente do STF é o chefe do
Poder Judiciário, mas isso não significa que seja o chefe dos juízes. A independência funcional da magistratura
é fundamental para o fortalecimento
do Estado democrático de Direito.
A independência que tem o juiz de
primeiro grau é exatamente a mesma
que tem o ministro do STF e qualquer
outro magistrado. Essa independência tem que ser defendida, sempre.
A magistratura de primeira instância deve ser respeitada. É o juiz de primeiro grau que tem contato direto
com os cidadãos, em todas as lides. A
centralização de poder judicial nos
tribunais superiores não atende aos
elevados interesses da sociedade.
Quando se fala em reforma do Judiciário, isso deve ser levado em conta.
Os representantes da magistratura
têm compromissos não só corporativos, mas, fundamentalmente, de fortalecer os ideais democráticos que
constituem a base de uma sociedade
justa, livre e solidária, um dos objetivos constitucionais do Brasil.
O que se viu nos últimos dias, quando os juízes foram ouvidos, não pode
ser esquecido. É preciso que a sociedade conheça melhor o Judiciário e
seus integrantes, identificando a real
importância dessa atividade e os seus
crônicos problemas. A partir disso, a
sociedade terá melhores condições de
exigir desse Poder a efetividade do direito. Justiça tardia não é justa.
É o momento de trabalhar por uma
verdadeira e efetiva reforma do Judiciário. Nenhum tema pode ser considerado tabu. Devem ser discutidos
desde a efetividade da jurisdição até o
critério de indicação dos membros
dos tribunais superiores, inclusive
com a criação de uma verdadeira corte constitucional, com mandato fixo.
A Ajufe, na sua posição de entidade
da sociedade civil e representante dos
juízes federais brasileiros, está aberta
ao debate, pois é seu objetivo estatutário pugnar pelo fortalecimento do
Poder Judiciário e de seus integrantes, pelo aperfeiçoamento do Estado
democrático de Direito e pela plena
observância dos direitos humanos.
FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS, 34, mestre
em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do
Rio de Janeiro), juiz federal, é presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil.
NINO OLIVEIRA TOLDO, 43, mestre em direito obrigacional público pela Unesp, doutor em direito econômico e financeiro pela USP, juiz federal, é vice-presidente da Ajufe
para a 3ª Região (SP e MS).
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