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Buraco verde
Levantamento do Incra
indica que o governo desconhece o que se passa em grande parte de
suas terras na Amazônia
UM MAPEAMENTO recém-concluído pelo
Incra (Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária) reconhece
que o Estado ignora uma área da
Amazônia Legal cuja extensão
equivale à dos Estados de São
Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná somados. São 710,2 mil km2 de
terras públicas, mas o órgão na
verdade não sabe se elas estão
nas mãos de posseiros ou de grileiros, nem o que está sendo produzido ou destruído em um patrimônio que, em tese, é público.
"A Amazônia é um mundo desconhecido, não é a avenida Paulista; ninguém sabe quem está
lá", disse Rolf Hackbart, presidente da autarquia que controla
o cadastro nacional de imóveis
rurais. O governo desconhece o
que se passa nessas regiões, mas
desconfia: no Pará, as principais
manchas de terras em situação
nebulosa estão sobrepostas às
rodovias Transamazônica e
Cuiabá-Santarém e na parte leste do Estado -áreas de expansão
da pecuária e da mineração.
As sucessivas campanhas empreendidas pelo governo não alcançaram seu objetivo: após dez
anos de esforços para cadastrar
as propriedades privadas da região, as terras que tiveram seus
papéis validados pelo Incra somam apenas 4% da Amazônia. O
instituto quer agora definir um
cronograma de ação para os próximos cinco anos que envolva
também a Funai, do Ministério
do Meio Ambiente e das Forças
Armadas, para conseguir afinal a
regularização dessas áreas.
O fiasco mais recente ocorreu
em meio à Operação Arco de Fogo, da Polícia Federal: a tentativa
de fazer o recadastramento das
propriedades nos 36 municípios
que mais desmatam a Amazônia
terminou em abril sem que 80%
dos 15 mil proprietários convocados atendessem ao chamado.
A direção do Incra esclarece
que não possui servidores nem
equipamentos suficientes para
uma empreitada dessa magnitude. Não é o único órgão público
nessa situação: em março, o Ibama revelou que precisava de
9.075 fiscais, mas tinha apenas
2.030. Provavelmente faltam
servidores em todas os setores,
mas o déficit de pessoal público
na Amazônia é muito grande.
A maior dificuldade, contudo,
não provém da carência de
meios materiais para fiscalizar
as terras, mas sim da ausência de
vontade política nesse sentido.
Até agora, o presidente Lula ainda não explicitou um compromisso claro e efetivo com a redução do desmatamento -talvez
porque dependa do apoio político de governadores e parlamentares comprometidos com o
agronegócio, ou talvez porque
considere a preservação ambiental um obstáculo ao crescimento econômico, que tanta popularidade lhe granjeou.
De todo modo, o reconhecimento público de que o Estado
simplesmente ignora o que se
passa em suas terras na Amazônia já é um progresso. Tal como
Sócrates, agora o governo sabe
que não sabe. Quem sabe possa
fazer alguma coisa no futuro.
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