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GUSTAVO FRANCO
Aperto e responsabilidade
BILL CLINTON, quando esteve
no Brasil, disse, a propósito
dos problemas econômicos
dos EUA, algo que cabe muito melhor para os nossos: sempre escolhemos a alternativa correta, mas
nunca sem antes experimentar todas as outras.
O enfrentamento, mesmo quando metafórico -"atacar" os problemas econômicos-, é um conceito
estranho a um país cordial cuja história já foi descrita como "lenta":
levamos mais de 15 anos para reduzir a inflação a um dígito (anual)
depois que ultrapassou 100% ao
ano. Tudo o que é contencioso, incluindo a Justiça, não anda, apenas
se arrasta.
O segredo para essa vagareza no
terreno da economia consiste em
construir uma teoria, ou uma métrica contábil, a partir da qual se
pode demonstrar que o problema
não é problema. Dentre todas as
"cordialidades" dessa espécie, a
campeã é a "teoria" da inércia inflacionária, de triste memória, segundo a qual a hiperinflação era
neutra e determinada exclusivamente pelo passado, via correção
monetária. Se o passado pudesse
ser apagado (!?), sumia o problema.
Há algo parecido no ar, e perigosíssimo: o conceito de superávit
primário. Numa definição muito
chula, trata-se do resultado das
contas públicas desconsiderando a
existência da dívida pública, e que
ela não tem que ser paga.
Dizer que o superávit primário é
"a economia que o governo faz para
pagar juros" não está errado, mas é
uma meia verdade em linha com
um velho e malicioso truque brasiliense: tudo se passa como se os juros fossem uma despesa de segunda categoria, a última prioridade.
Quem quer ter crédito, e ter o benefício de se endividar e de investir, precisa pagar juros, e pagar em
dia. Justamente por que o Tesouro
paga suas contas em dia ganhamos
o "grau de investimento", o que
abre muitas portas para o país. É
bom ter crédito; por isso a inadimplência é baixa entre os mais pobres.
A dona-de-casa que ouve falar
em superávit, primário ou secundário, tem todo o direito de presumir que há um dinheiro sobrando,
e que deveria achar bom uso. Se ouve dizer que o governo "faz economia para pagar juro", em vez de
gastar no social, está sendo levada
ao erro de pensar que o governo fez
um "aperto fiscal", aliás, outra maneira lamentável de a
imprensa referir-se ao "superávit
primário".
Nós vamos ter finanças públicas
de Primeiro Mundo e, em conseqüência, juros de Primeiro Mundo
no dia, que parece ainda distante,
em que designarmos como "responsabilidade fiscal" o que hoje se
descreve canhestramente como
"aperto".
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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