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É positivo o balanço de dez anos do modelo das organizações sociais de saúde em São Paulo?
NÃO
Transferir responsabilidade não é solução
FRANCISCO BATISTA JUNIOR
O SUS (Sistema Único de Saúde)
foi pensado e construído por
profissionais e movimentos
populares da saúde para funcionar
em rede, descentralizado, com atendimento desde um curativo a cirurgias de alto custo, da prevenção e controle de endemias ao acompanhamento porta a porta, em especial nas
regiões de difícil acesso.
Mesmo sendo referência internacional, o SUS tem sofrido muitos ataques, sobretudo dos que vêem na saúde pública mais um nicho de negócio
lucrativo. É o caso do Estado de São
Paulo, que há mais de dez anos vem
transferindo a gestão da saúde pública para entidades privadas, inclusive
sem licitação, cadastradas como OSS
organizações sociais de saúde, em
prejuízo dos usuários que continuam
em filas de espera -conseqüência do
sucateamento do setor público e das
restrições do setor privado.
A principal justificativa dos que defendem a terceirização é a agilidade
na compra de material e contratação
de pessoal, burlando o que chamam
de burocracia. Não entrando no mérito da questão, a legislação existe para
coibir o mau uso do dinheiro público.
Pode e deve ser aperfeiçoada.
Também se alega que, com a terceirização, o custo diminui. Será?
Os custos das OSS vêm crescendo
ano a ano, mostrando que o problema
não está no setor público, mas na gestão. Os hospitais e serviços gerenciados por OSS decidem de forma independente o tipo e o número de atendimentos prestados, ficando a população à mercê da oferta de vagas que
essas entidades disponibilizam.
Em relatório da Comissão de
Acompanhamento das Organizações
Sociais em São Paulo, de 2003, já se
apontava a redução nos atendimentos de urgência e a lógica da gestão
privada -manutenção do equilíbrio
financeiro. Desde 2005, jornais destacam a disparidade nos preços de um
mesmo medicamento comprado por
diversas OSS, variando até 64%.
Em 2007, virou manchete a crise do
InCor. A Fundação Zerbini, entidade
privada que administra o hospital,
acumulou uma dívida de R$ 246 milhões, colocando em risco uma referência em cardiologia, construída e
mantida com dinheiro público. Como
solução, o governador José Serra restringiu a atuação da fundação e assumiu a dívida, ou seja, dinheiro público
financiando a má gestão privada.
Hoje, a terceirização vem sendo
questionada também na Justiça.
A terceirização do hospital Luzia de
Pinho Melo, de Mogi das Cruzes, é um
exemplo. O Ministério Público do
Trabalho ingressou com uma ação
para anular o processo. Entre as argumentações, estão violação da Constituição, que determina que nenhum
servidor pode ser contratado sem
concurso público; quarteirização de
serviços para entidade privada ligada
à gestora; irregularidades no pagamento de direitos trabalhistas.
Também está sob investigação o repasse de serviços laboratoriais de unidades da rede pública estadual de saúde para a iniciativa privada. A gestão
dos serviços está sendo transferida
para OSS, que, por sua vez, quarteirizam exames para empresas privadas.
Um dos tripés do SUS -o controle
social- não é respeitado no Estado. O
Conselho Nacional de Saúde se posicionou contra as OSS e a terceirização
da saúde. Essa deliberação também
foi tomada pelo Conselho Estadual de
Saúde. A participação e a fiscalização
da sociedade na administração pública garantem a boa gestão. Mas precisa
haver transparência. Isso não ocorre
na gestão das OSS.
Podemos alcançar uma saúde pública com qualidade. O SUS e suas várias instâncias deliberativas estudam,
debatem e definem as diretrizes para
serem implementadas nos âmbitos
federal, estadual e municipal.
Hoje, o SUS funciona ao custo de
R$ 1 por pessoa e atende muita gente.
Se investirmos mais, com certeza
chegaremos a uma saúde pública universal, integral e equânime para todos, promovendo o desenvolvimento
sustentável do país que todos almejam. Não é necessário desmontar a rede de saúde pública nem assistir a epidemias e perdas de vida.
Dos hospitais que prestam serviços
ao SUS em São Paulo, 68% são privados. Portanto, se a gestão privada funcionasse melhor, o atendimento hospitalar não teria os problemas que
tem hoje. Tratar a saúde como negócio é ideológico e as vidas perdidas é
falência na certa.
FRANCISCO BATISTA JUNIOR, 53, farmacêutico, pós-graduado em farmácia pela UFRN (Universidade Federal
do Rio Grande do Norte), é presidente do Conselho Nacional de Saúde e servidor do hospital Giselda Trigueiro, da
rede do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Norte.
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