São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A água e os futuros conflitos

Consta que, ao saber da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, o primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion, com espanto, afirmou: "Não entendo essa renúncia, logo em um país que tem tanta água...".
Até hoje a água é questão de vida ou morte para Israel e para várias nações das bacias dos rios Nilo, Jordão, Tigre-Eufrates e Indus. Essa escassez envolve vários países no norte da África, Oriente Médio e sul da Ásia. Nos últimos 35 anos, o lençol freático do norte da China, em especial Beijing, desceu 59 metros! Em importantes regiões da Índia, o lençol freático está descendo 1,5 metro por ano!
São nações que padecem da falta de água e que estão fadadas a entrar em conflito por causa do precioso líquido (Michael T. Klare, "Resources Wars", Henry Holt and Company, Nova York, 2002). Não será o primeiro e nem o último atrito dessa natureza. A história da Mesopotâmia e o livro do Êxodo do Velho Testamento narram inúmeras batalhas travadas entre tribos que disputaram com suor e sangue as águas dos rios Jordão, Tigre e Eufrates.
Para se manterem vivos e saudáveis, cada ser humano precisa de quase 200 litros de água por dia -72 metros cúbicos anuais. Além disso, eles dependem da agricultura, indústria e produção de energia, que elevam sua necessidade para mil metros cúbicos por ano.Vai dar para atender a essa demanda no futuro?
Considerando que as populações das nações mais carentes crescem acima de 3% ao ano (quando a média do mundo é de 0,8%) e que a distribuição geográfica da água é extremamente desigual, a resposta é não.
As nações que dependem do rio Nilo (onde já há escassez) estão nesse caso. A Etiópia, que tinha 62 milhões de habitantes em 1998, terá 212 milhões em 2050; o Sudão saltará de 29 milhões para 60 milhões; o Quênia, de 29 para 66 milhões; Uganda, de 21 para 66 milhões -o que dará um acréscimo de 300 milhões de pessoas só naquela região. A população das nações do Oriente Médio e do sul da Ásia, que dependem dos rios Jordão (Israel, Jordânia e Líbano), Tigre e Eufrates (Iraque, Síria e Turquia) e Indus (Índia e Paquistão), saltará de 1,1 bilhão para quase 2 bilhões.
Não há a menor possibilidade de atender a essa demanda, mesmo porque é aproximadamente 1% o volume de águas do planeta que pode ser utilizável. Os conflitos serão inevitáveis.
O Brasil é privilegiado. Só a bacia Amazônica tem 16% da água do mundo. Nossas chuvas são generosas. Além disso, temos vários aquíferos (água subterrânea) ainda intocáveis.
Mas nada disso é motivo para continuarmos esbanjando a água e outros recursos naturais. Se pintarmos o mapa do mundo, uma parte será negra, simbolizando o petróleo e o carvão; outra será azul, simbolizando a água; outra branca, para as pedras preciosas; verde para as florestas; e o vermelho, o cobre, o ferro e outros minerais importantes. Pintado dessa maneira, ressaltarão as áreas com maior profusão e maior brilho das cores. A maioria estará no Brasil.
É uma dádiva de Deus que teremos de cultivar e preservar.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.



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