São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Outro choque do petróleo?
RUDIGER DORNBUSCH
O uso da grande reserva estratégica de petróleo norte-americana poderia conter os aumentos de preços por algum tempo, mas tudo computado, assim que as hostilidades contra o Iraque começassem, o preço do petróleo decerto dispararia. Quando essas coisas podem acontecer? Os Estados Unidos exigem que o Iraque atenda a três exigências: a promoção da estabilidade regional, o fim de sua busca por armas de destruição em massa e o fim da repressão ao povo do país. Saddam jamais os aceitará, o que significa que ele está condenado, e não importa que a Europa coopere com os Estados Unidos ou não a esse respeito. O problema, como em 1991, é a ausência de um governo aceitável para ocupar o vazio, tanto para os demais países da região quanto para os Estados Unidos. Essa questão e o fiasco insolúvel entre os palestinos e os israelenses é que vêm impedindo ações imediatas. Isso significa que os preços do petróleo continuarão altos -talvez ainda mais altos- por algum tempo. Os consumidores dos Estados Unidos, e também os da Europa e da Ásia, serão atingidos por um choque do petróleo. Terão, também, uma perda de poder aquisitivo; a demanda vai cair e o crescimento se desacelerará, como aconteceu durante a Guerra do Golfo. Uma desaceleração na economia norte-americana e mundial, por sua vez, é uma má notícia para os mercados financeiros e deixará os bancos centrais na incômoda posição de ter de decidir entre o combate à recessão, por meio de um afrouxamento na política monetária, e o combate à inflação que será causada pelo aumento do petróleo, o que exigiria taxas de juros mais altas. Se juros mais altos forem a solução, digam "sayonara" para uma alta nas bolsas de valores. É verdade que o petróleo é muito menos importante para as economias industrializadas hoje do que no passado, mas um aumento de US$ 10 no preço por barril representará um choque imenso, com repercussões duras. Suponhamos que tudo isso se realize; o que acontece com o dólar? Até o momento, o dólar continua relativamente forte com relação à Europa; não muito alto, cotado a US$ 1,10 por euro -o que jamais foi a taxa de equilíbrio-, mas sua posição vinha sendo sustentada pelo desempenho favorável dos Estados Unidos em termos de crescimento relativo e pela imagem do país como superastro da economia mundial. O papel de superastro é garantido por Forças Armadas competentes, mas haverá problemas a esse respeito quando surgir a imensa desaprovação dos verdes, dos inimigos da globalização, dos pacifistas, dos cínicos europeus e das furiosas multidões árabes. Com uma economia que não conseguirá superar a européia sob circunstâncias assim adversas e com uma imagem desfavorável para os Estados Unidos, o dólar corre o risco de uma séria queda. A única coisa que o poderia segurar nos níveis atuais ou perto deles seria o mau desempenho econômico da Europa. Culpar os Estados Unidos é predominantemente uma maneira de afastar os holofotes dos fracassos na liderança européia, em direção da luta de outro país por um mundo mais seguro (incluindo a continuada existência de Israel) e por uma economia mundial mais forte. Afinal, os problemas que afligem Schroder, Berlusconi, Chirac e Jospin não têm alcance mundial. Rudiger Dornbusch, economista, doutor pela Universidade de Chicago, era professor de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA). Foi chefe da assessoria econômica do FMI e do Banco Mundial. Morreu na quinta-feira, aos 60 anos. Este artigo, inédito no Brasil, foi escrito em abril deste ano. Tradução de Paulo Migliacci
|
|