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MARINA SILVA
O improvável e
o imprevisível
O SENTIDO da política é a liberdade, disse a filósofa alemã Hannah Arendt, numa
época de guerras mundiais e de
ápice do autoritarismo. Mudaram
os tempos, caíram muros, estátuas,
reputações, mitos, embaralharam-se muitas vezes as cartas, mas política e liberdade, juntas, continuam
sendo o sopro vital para as sociedades humanas.
A política, sinônimo da ação dos
cidadãos no espaço público e do
exercício representativo do poder
de Estado, acabou identificada
apenas como o território dos partidos políticos. No Brasil, isso também acontece. Um grande número
de pessoas não se reconhece mais
como ser político e não reconhece
nada de bom na política partidária.
E os partidos, na maioria das vezes,
agem como se não houvesse vida
política ativa fora deles.
Penso até que exista uma espécie
de memória do período autoritário
impressa nesse modo de agir. Lutar
contra a ditadura implicava estar
sob a cobertura de um grupo organizado e submeter-se às suas regras, na clandestinidade ou no partido de oposição legal, que virou
abrigo de combatentes de um amplo espectro ideológico.
Restabelecida a democracia, persistir no que era contingência histórica pode enevoar a visão. Os partidos políticos ainda se vêem como
núcleos hegemonizadores da energia política da sociedade. Mas não
são mais. São apenas os donos das
chaves de acesso a parte do poder
de Estado, por força de dispositivo
constitucional que condiciona a
elegibilidade à necessária filiação
partidária.
A verdade é que os cidadãos e cidadãs estão criando uma política livre, viva, na academia, nos movimentos culturais, no consumo
consciente, na internet, nas empresas, nas ONGs, nas igrejas, contribuindo para a transformação social da maneira como gostam e se
dispõem. A via partidária é apenas
uma das opções nesse todo.
O grande desafio da democracia
é criar espaços múltiplos de participação política, nos quais os partidos sejam parceiros e não guias. As
pessoas se recusam à diluição das
diferenças e à fusão dos sonhos.
Querem co-autoria em lugar da
apropriação do fazer político.
Age-se hoje não mais em nome
das fórmulas partidárias restritivas, mas por valores permeáveis.
Busca-se compartilhamento e não
hegemonia. Não se aceita dedicar
vidas a projetos fechados.
Hannah Arendt também disse
que os homens, "enquanto puderem agir, são aptos a realizar o improvável e o imprevisível, e realizam-no continuamente, quer saibam disso, quer não". É o que a sociedade brasileira está fazendo. E
os partidos ainda não se tocaram.
Está aí um tema crucial da política brasileira. Voltarei a ele.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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