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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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PT HETERODOXO

A julgar pelas declarações do presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, em entrevista à Folha, as chances de o PT evitar que o fisiologismo venha a contaminar sua atuação no governo já se tornaram menores depois da aprovação das reformas previdenciária e tributária. Ao conceder que, embora de forma reduzida, recorreu-se ao longo das votações a "métodos heterodoxos" de convencimento, o parlamentar apenas confirma a percepção de que o fisiologismo continua a frequentar as sessões do Congresso Nacional.
"Métodos heterodoxos", para repetir o eufemismo do deputado, têm sido utilizados com frequência alarmante na política brasileira. Desde o início da redemocratização, Câmara e Senado são palcos de nebulosas transações envolvendo troca de votos por cargos, por liberação de verbas orçamentárias e, até mesmo, por outras formas mais sonantes de retribuição. Esse vergonhoso mercado político já propiciou uma série de escândalos, que serviu para alertar e despertar a indignação da opinião pública. Não se pode dizer, no entanto, que as pressões advindas da revelação de casos acintosos tenham mudado substancialmente os usos e costumes da política nacional -ainda que os possam ter revestido de tonalidades menos gritantes.
O Partido dos Trabalhadores foi desde o início um dos agentes renovadores da cultura política brasileira, impondo rígidas normas internas e contribuindo para elevar o grau de transparência das negociações congressuais. Isso não significa, no entanto, que, uma vez no poder, o PT não passe a fazer concessões "realistas" diante da necessidade de conquistar votos e apoios. Também a gestão de Fernando Henrique Cardoso foi antecedida de expectativas quanto à moralização de procedimentos, fundadas no discurso e no histórico de muitos dos membros do PSDB. Não obstante a realidade repeliu as esperanças iniciais, como atestaram as escaramuças para aprovar a emenda da reeleição.
O PT, obviamente, sabe que possui um patrimônio ético a ser preservado. Tem procurado, portanto, jogar o jogo com relativa prudência. A maior demonstração disso talvez seja o modo como vem promovendo a transferência de parlamentares para a base do governo. O troca-troca de legendas é uma outra face do problema do fisiologismo.
Dados levantados pela Folha revelam que a infidelidade partidária baterá recordes até o próximo dia 3, quando extingue-se o prazo para mudança de partidos. Esse verdadeiro "efeito manada" em busca da sombra e das benesses do poder tem sido administrado de forma engenhosa pelo partido governista. Convenientemente, não é o PT o principal receptor das novas adesões, e sim as legendas aliadas, que vão sendo, dessa forma, como que "terceirizadas" para fazer o serviço.
Tudo isso deixa patente a necessidade de que a constantemente lembrada, mas sempre adiada, reforma política venha a ocupar as atenções do país. Novas regras precisam ser estabelecidas para que o comércio de votos e a vergonhosa deserção partidária motivada por interesses de ocasião possam ser coibidos. Difícil é esperar que os atores e beneficiários desse lamentável espetáculo venham a tomar a iniciativa de mudá-lo.


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