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CLÓVIS ROSSI
A eterna insolência
SÃO PAULO - No discurso com que se despediu do Congresso, em 1999, Roberto de Oliveira Campos, talvez o maior ícone da direita brasileira,
contou que Tancredo Neves, ao ser
designado primeiro-ministro em
1961, pediu-lhe um programa de governo, que deveria ser elaborado em
apenas duas semanas.
Campos, Bulhões Pedreira e Mário
Henrique Simonsen fizeram então o
que chamaram de "programa das tesouras", porque recortaram "textos
antigos que tinham permanecido insolentemente atuais", o que, para
Campos, demonstraria a incapacidade brasileira de "transformar crises
em oportunidades, aspirações em
realidades".
Ficaria parecendo apenas a exibição da mortal ironia de Campos,
morto dois anos depois, não fosse a
releitura do notável discurso do mesmo Tancredo Neves, agora como presidente eleito da República, em janeiro de 1985 (ambos os textos fazem
parte de "100 Discursos Históricos
Brasileiros", compilados por Carlos
Figueiredo, Editora Leitura).
O discurso de Tancredo é um texto
"insolentemente atual".
Diz, por exemplo, que "não teremos
a pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer
de cada brasileiro um cidadão, com
plena consciência dessa dignidade".
Diz, como diriam depois todos os
seus sucessores: "Venho para realizar
urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis ao bem-estar do povo".
Diz, como se fosse Luiz Inácio Lula
da Silva: "Retomar o crescimento é
criar empregos. Enquanto houver,
neste país, um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será falsa".
A favor de Tancredo, convém lembrar que morreu antes de assumir de
fato a Presidência. Seus antecessores
criaram o que ele batizou de "prosperidade falsa", se é que criaram prosperidade. Seus sucessores, que pena,
continuam fazendo com que o discurso de Tancredo seja "insolentemente atual".
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