São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Leitura e(é) inclusão social JAIME PINSKY
Não é possível que, a essa altura dos
conhecimentos, ainda pairem dúvidas sobre a importância da leitura. Ler
não é apenas ter uma relação sensual
com o livro, namorar sua capa, verificar
o seu papel, apreciar a tipologia, olhá-lo
de frente, cheirá-lo, senti-lo, ouvir o
som das páginas virando, decifra-lo
com requinte, ou com volúpia, devorá-lo todinho. Ler é também se atualizar,
aprofundar os conhecimentos, deixar a
imaginação voar para lugares possíveis
e improváveis, argumentar com interlocutores atentos e inteligentes. Apesar
disso, a imagem da pessoa que lê é, frequentemente, a de um chato...
Claro que o governo pode colaborar por meio de programas sérios e consistentes de compra de livros de qualidade para bibliotecas públicas. Mas há mais a ser feito: é chegado o momento de somar esforços, envolver e comprometer setores da sociedade que podem e devem fazer muito a favor da leitura. Talvez, juntando os esforços de entidades como a Câmara Brasileira do Livro e a Associação Nacional de Jornais a secretarias de cultura municipais e estaduais, pudesse-se criar uma certificação para os "amigos da leitura". A idéia é simples: os hotéis seriam estimulados a instalar luz de leitura nos quartos, em vez de miseráveis abajures com lâmpadas de 15 Watts, além de manter uma pequena biblioteca à disposição dos hóspedes. Os concessionários de linhas intermunicipais de ônibus, em vez de instalarem aparelhos de televisão, seriam estimulados a manter lâmpadas adequadas de leitura e uma pequena biblioteca com obras adequadas ao percurso, algo que deveria também ocorrer nos trens do metrô. Salas de espera em aeroportos, consultórios e clínicas médicas devem ser convidados a respeitar frequentadores e pacientes, oferecendo cantos silenciosos e bem iluminados, que tornem a espera menos sofrida. Oferecendo certificados de "amigos da leitura" aos responsáveis, estaríamos desenvolvendo um papel verdadeiramente educativo. Um segundo passo seria divulgar esses "amigos", o que jornais e revistas poderiam fazer para valorizar aqueles que os valorizam. Mas apenas "diplomar" as pessoas não resolve o problema. Há que dar oportunidade para que elas possam, de fato, ler. O trabalho conjunto de educadores, entidades, empresários e governos é o caminho possível para que a leitura seja reintroduzida como prática cotidiana, e não como atividade eventual, feita por uma certa "gente diferente" e esquisita, que anda por aí com um livro na mão. Acesso aos bens culturais é condição básica para a democracia. A igualdade de oportunidades passa pelo direito à leitura. Jaime Pinsky, 64, historiador, professor livre-docente da USP e titular da Unicamp, é autor de "Cidadania e Educação" e organizador de "História da Cidadania", publicados pela Editora Contexto, da qual é diretor editorial. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Fábio Wanderley Reis: Porcas explícitas e ornitorrincos ocultos Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
|