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CLÓVIS ROSSI
A perpetuação da lenda
SÃO PAULO - Pesquisa recentíssima do Ipea recolocou em circulação
no noticiário a lenda da queda da
desigualdade.
Caiu apenas a desigualdade nos
salários. Como informa o próprio
Ipea, o índice divulgado dias atrás
só mede a renda dos ocupados, que
inclui os salários, aposentadorias e
benefícios de programas de transferência de renda. Mas -atenção,
crédulos- juros, lucros e renda da
terra, por exemplo, não entram
nessa conta.
Portanto, não dá nem para dizer
que caiu a diferença de renda entre
os assalariados. Afinal, é lógico supor que os mais bem remunerados,
embora tenham perdido no salário,
ganharam juros de suas aplicações
financeiras, mesmo que seja uma
modesta poupança. Já os de baixa
renda, que viram seu salário aumentar, não têm, em geral, sobra
para aplicar em instrumentos financeiros de qualquer raça.
A imperdível coluna "Mercado
Aberto" desta Folha já mostrou
avaliação de Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da
Unicamp, que acaba de concluir
pesquisa a respeito.
Dedecca confirma o que já foi dito repetidamente aqui: não há redução de desigualdade, porque só
entram nas contas que a revelariam
os ganhos salariais e com a rede de
proteção social, como Bolsa Família e aposentadoria. Tais números
equivalem a só 40% do PIB.
Não entra, portanto, "a renda
com ganho de capital das classes A
e B, à qual os pesquisadores não
têm acesso". Pesquisadores do próprio Ipea já calcularam em 90% a
omissão de dados sobre ganhos de
capital na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios, mãe da lenda sobre queda da desigualdade.
Se Marcio Pochmann, presidente
do Ipea, diz que o Brasil é "primitivo", mesmo com a queda apontada
na desigualdade de salários, como
qualificá-lo quando se verifica que
não há queda na obscena desigualdade de renda?
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