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CLÓVIS ROSSI
O sonho e a casa própria
SÃO PAULO - Tomando uma certa licença poética (ou, mais exatamente, uma licença estatística), dá
para dizer que há um fosso entre o
sentimento dos 200 mil jovens que
foram ao comício de Barack Obama
em Berlim e os jovens brasileiros
que aparecem na pesquisa publicada domingo por esta Folha.
Afinal, a garotada alemã não pode querer de um presidente norte-americano casa própria e bons salários, exatamente os itens mais valorizados pela gurizada entrevistada
pelo Datafolha.
Repito que se trata de uma licença estatística pelo óbvio fato de que,
no comício, não estava presente a
esmagadora maioria dos jovens alemães, o que pode significar que todos os ausentes também querem
casa, comida e roupa lavada.
Da mesma forma, é possível que
200 mil brasileiros fossem ao encontro de Obama na improvável hipótese de que ele apareça por aqui
ainda como candidato (depois de
eleito, se o for, a segurança desanimaria muita gente).
Mesmo assim, vale a comparação
apenas para enfatizar o fato de que
uma fatia importante da juventude
busca alguma coisa que não me parece muito clara. Barack Obama resume essa busca em "change", mudança, o que é mais vago do que
promessa de candidato a vereador
nas eleições municipais de outubro.
Vago ou não, o cantochão da
"mudança", do "yes, we can" (o que
podemos, cara pálida?), parece
atrair uma moçada cansada dos políticos cinzentos que marcam o cenário europeu principalmente. Entre sair de casa para ver Obama ou
ver Angela Merkel, a escolha parece
fácil, por brilhante que seja a gestão
da chanceler alemã.
Não parece ser casa e emprego o
foco dos que se mobilizam por Obama. É mais o intangível, o sonho.
Acho difícil que presidentes, mesmo nos Estados Unidos, tenham
margem de manobra para entregar
o sonho. Mas sonhar sempre é melhor do que conformar-se.
crossi@uol.com.br
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