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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Pessimismo não, muita meditação
Segundo o noticiário da imprensa, a questão nuclear não estava na
agenda da missão brasileira que visitou a China na semana finda. Mas certamente era item de alta prioridade na
agenda dos anfitriões.
Sim, porque a China tem problemas
sérios na área energética. Está aí um
dos principais fatores que levaram o
país a programar uma redução do espantoso crescimento econômico de
9,7% estimado para este ano. Não há
energia para a China continuar nesse
ritmo. Basta dizer que o velho carvão
responde por mais de 75% da matriz
energética do país. A água garante míseros 4% da energia consumida, e a
energia nuclear está apenas começando, mas é a única alternativa. Tanto
que o governo está implementando
um agressivo programa de construção
de 11 usinas nucleares -quatro já estão em andamento. Para tanto, vai
precisar de urânio, de que o Brasil é
detentor de reservas razoáveis.
Ora, os chineses não iriam deixar
passar a oportunidade de propor aos
brasileiros algum tipo de acordo nesse
campo, mesmo sabendo que o Brasil
sempre teve uma política explícita de
não exportar urânio devido ao perigo
que isso representa para o enfraquecimento das reservas de quem vende e
para o fortalecimento bélico de quem
compra.
São poucos os países que têm condições de fazer o enriquecimento do
urânio, de chegar ao plutônio e de
construir bombas atômicas. A China é
um deles.
Por mais que um país venha a aderir
ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, nunca se terá certeza de qual será o seu comportamento em momentos de crise. A China não só possui
bombas atômicas como foi a responsável pela instalação da capacidade
nuclear do Paquistão, que também
possui várias versões do poderoso armamento. E, na vizinhança, a Índia é
outro país que dispõe igualmente de
artefatos nucleares de grande potência. Seria nesse ambiente que iria cair
o urânio brasileiro?
Vi inúmeras autoridades brasileiras
endossando o acordo preliminar, alegando que será bom para o Brasil contar com a China para enriquecer o
urânio, pois essa tecnologia está longe
do nosso alcance e valeria muito para
operar as usinas nucleares brasileiras,
resolvendo nossos próprios problemas energéticos. É um argumento razoável e que faz sentido do ponto de
vista econômico e de curto prazo.
Mas, em matéria nuclear, a última
coisa a fazer é pensar a curto prazo e
estritamente no campo econômico.
As implicações para a paz não podem
ficar de fora das considerações antes
que se tome uma decisão de tamanha
responsabilidade.
Não seria melhor intensificarmos no
Brasil os esforços de pesquisa e de desenvolvimento para chegarmos à escala industrial no enriquecimento de
urânio? Afinal, temos físicos competentes que já conhecem profundamente a matéria. Isso nos daria autonomia sem abrir mão de nossas reservas e sem colocar um produto perigoso nas mãos de estranhos que, um dia,
podem colocar em risco a própria paz.
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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