|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARINA SILVA
De feliz memória
NOS IDOS de 1995, o Acre vivia um dos períodos mais
truculentos de sua história
política. Esquadrão da morte, assassinatos brutais, perseguições.
Jorge Viana era prefeito de Rio
Branco e eu senadora em primeiro
mandato.
Nesse período, convidamos Ruth
Cardoso para conhecer nossos programas sociais. Alguns acharam a
iniciativa sem cabimento, pois poderia dar gás à oposição local, aliada do governo federal. Para a oposição, não tinha cabimento era dona
Ruth dar força para o PT.
Ela foi assim mesmo. Na noite
em que chegou, fez questão de parar na feirinha de artesanato, em
frente à catedral, e comprou um
colar de coquinho mulungu, feito
pelos índios.
No outro dia, no almoço em sua
homenagem, a maioria foi vestida
com certa cerimônia, apesar do calor danado. Dona Ruth entrou de
calça comprida, camiseta branca
de malha e, de jóia, apenas o colarzinho de mulungu. Deixou todo
mundo à vontade. Quem estava ali
era a autoridade acadêmica que
não se escondia atrás da cátedra e a
primeira-dama que não gostava de
pompas. Tinha olhar direto, escuta
genuína, compromisso.
De outra vez, queríamos criar o
programa Amazônia Solidária. Ela
colocou técnicos do Comunidade
Solidária para ajudar a formatar a
idéia, que resultou no Prodex, a
primeira linha de crédito para extrativistas na Amazônia. A demarcação da terra indígena Raposa/
Serra do Sol também deve muito a
dona Ruth.
Em três momentos, foi emblemática para o Acre a presença de
pessoas cujo apoio mostrou que
não estávamos sós. Em 1980, Lula,
quando Wilson Pinheiro foi assassinado. Em 1988, Al Gore, logo após
a morte de Chico Mendes. Em
1995, quando estávamos à mercê
do Esquadrão da Morte, Fernando
Henrique e Ruth Cardoso foram
fundamentais para ajudar o Acre a
fazer uma transição histórica.
A visita de dona Ruth foi o símbolo dessa atitude, que estimulou o
PSDB a entrar na aliança que elegeu Jorge Viana governador em
1998. O presidente e dona Ruth
deixaram claro que, naquela hora,
as pessoas de bem deveriam ter um
lado e não apenas um partido.
A ligação entre esses momentos
é terem sido fruto da diluição das
fronteiras políticas por meio de um
alinhamento ético, suprapartidário, generoso.
No velório de dona Ruth, pensei
em como, mais uma vez, ela foi artífice de uma trégua civilizada que
trouxe à tona o que une e não o que
divide. A perda desta pessoa tão
preciosa impõe uma reflexão: a luta pelo poder é mais importante do
que juntar forças para objetivos comuns? Se conseguimos no Acre,
por que não no Brasil?
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Sergio Costa: Providência diabólica Próximo Texto: Frases
Índice
|