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ANTONIO DELFIM NETTO
Deselegância útil
O ESCANDALOSO desabafo
"espontâneo" (provavelmente bem meditado) do
ilustre ministro Celso Amorim em
Doha tinha, na sua deselegância estudada, mensagens importantes
que não deveriam ser ignoradas
com o "tomamos boa nota" diplomático. Primeiro, para os críticos
europeus do nosso programa de
biocombustíveis e, segundo, para
nossos parceiros que fingem ser
"economia de mercado".
Como é claro, não existe qualquer altruísmo em Doha. Toda a
defesa da absoluta liberdade de comércio apoiada na hipótese que ela
gera o aumento do bem-estar da
humanidade esconde o egoístico
objetivo de cada país de conseguir
suas autonomias energética e alimentar, fortemente ameaçadas pela perspectiva do declínio da produção mundial de petróleo. A produção de petróleo nos EUA aparentemente atingiu o seu máximo
em torno de 1970, como havia sido
previsto por Hubbert em 1956.
Hoje, os mágicos que estimam a
data daquele máximo para o mundo contam-se às dezenas (inclusive
o próprio Hubbert). Todos sugerem que será entre 2015 e 2030,
mas há séria controvérsia produzida pelo avanço das tecnologias e
pelas descobertas insuspeitadas há
dez anos (como é o caso do pré-sal
brasileiro e do Ártico). De qualquer
forma, a situação é assustadora. Se
a humanidade não encontrar um
substituto para a energia extraída
do petróleo, haverá pela primeira
vez na história uma regressão do
crescimento e do seu bem-estar
material, porque a energia e os subprodutos do petróleo são fatores
ubíquos em toda a produção de
bens e serviços que ela consome.
Isso revela o cinismo da Europa,
o mais antigo e maior produtor de
biodiesel do mundo (de colza) e recente produtor de etanol de cereais
e beterraba que, efetivamente,
comprometem a disponibilidade
alimentar. Escondem tal fato criticando a produção de etanol de cana, que ajuda a aumentar a produção de alimentos. A China também
fez suas insinuações, mas produz
etanol (de milho, arroz e mandioca) e biodiesel (de vegetais oleosos), reduzindo a oferta de alimentos.
Os EUA têm, pelo menos, a coragem de reconhecer abertamente
que não prestam atenção ao custo
do etanol de milho: querem de volta a autonomia energética perdida,
mesmo que isso adicione um pouco mais desequilíbrio na oferta
mundial de alimentos (que os europeus, a China, a Índia e outros
países também estão fazendo).
O Brasil é a grande exceção. No
caso de alguns de nossos "parceiros", a situação foi ainda agravada
pelo estabelecimento de impostos
de exportação, não apenas sobre os
produtos finais, mas sobre os fertilizantes, como é o caso da China,
que explora, assim, seu poder de
monopólio. A "deselegância" programada do ministro tinha, pois, as
suas razões...
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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