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RUY CASTRO
Excedente de caixa
RIO DE JANEIRO - Há pouco
tempo, alguém mais esperto dentro
do crime organizado olhou em volta
e descobriu que, se quisesse de fato
fazer jus ao nome, o crime deveria
tomar providências e deixar de ser
um bando de pés-de-chinelo que só
se sustentava pela omissão e incompetência do poder público.
Uma constatação foi a de que,
mesmo com os pesados investimentos em armas e manutenção, o
crime tem sempre excedente de
caixa, por não precisar gastar dinheiro com itens que flagelam outros setores. Por exemplo, a frase de
Benjamin Franklin (1706-1790), de
que só há duas coisas inevitáveis:
morte e impostos. No crime, só a
morte é inevitável.
Pelo mesmo motivo, o gasto do
crime com encargos sociais é zero:
seus funcionários não têm carteira
assinada, nem descontam para o
instituto, porque a maioria morre
antes da aposentadoria. O crime
também não tem despesas de escritório, tipo clipes, selos e papel timbrado, nem com aluguel, porque
suas instalações no morro são, digamos, cedidas pela população. E gatilhos (nos dois sentidos) lhe garantem água, luz e gás.
Resta o suborno a policiais, advogados, juízes, políticos e testemunhas. Isso, sim, é uma hemorragia.
Ninguém sabe ao certo a dinheirama que vai nessas operações. E apenas porque, para contar com tais
serviços especializados, o crime depende de terceiros. Daí que, pensou
o sujeito, o crime deveria se organizar para produzir seus próprios
quadros.
Uma reserva de jovens seria poupada do trabalho sujo, como a venda nas bocas-de-fumo, a campana
nas encostas ou os confrontos com
a polícia. Em vez disso, eles iriam
estudar, formar-se em direito, galgar cargos no Judiciário, ingressar
nos partidos, disputar eleições. Enfim, infiltrar-se no Sistema.
Absurdo? Pois não olhe agora,
mas acho que isso já começou.
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