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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
O governo deve criar uma empresa estatal para explorar a região do pré-sal?
SIM
Prioridade do interesse nacional
LUIZ PINGUELLI ROSA
É FRUTÍFERO o debate sobre a
criação de uma nova empresa
estatal para gestão, controle e
apropriação dos benefícios financeiros do petróleo do pré-sal descoberto
pela Petrobras. O curioso é o alinhamento, de um lado, da grande mídia e
dos grupos econômicos envolvidos
com o petróleo e, de outro, da quase
totalidade da esquerda e dos defensores do desenvolvimento nacional menos dependente, ambos os lados criticando a nova empresa.
Os primeiros argumentam em nome do mercado livre competitivo e da
globalização econômica e, portanto,
da abertura das reservas de petróleo
ao mundo. Os últimos, em defesa da
Petrobras, líder mundial na tecnologia de águas profundas.
Mas esse dilema é equivocado. A
nova empresa é a pedra da sopa de pedra. Pode-se tirá-la e ingerir a sopa,
mas, sem pedra, não haveria os ingredientes para fazer a sopa. A empresa
nova será finalmente criada ou não,
mas o fundamental é a sinalização de
que as coisas não podem ficar como
estão: terá de haver mudanças, embora não qualquer mudança. O objetivo
deve ser usar as grandes reservas em
favor do interesse da população do
país, em grande parte muito pobre, e
não só no interesse dos investidores.
Sendo confirmadas as dimensões
da quantidade de petróleo no pré-sal,
as reservas brasileiras, que eram de 14
bilhões de barris, terão um volume
adicional que pode variar desde 30 bilhões a 50 bilhões de barris até 80 bilhões a 100 bilhões de barris. Ora, se
colocamos uma casa para vender e
descobrimos que há um tesouro enterrado no seu terreno, mudamos o
seu preço ou não a vendemos.
O risco do investimento na exploração do petróleo no país caiu, pois a
probabilidade de encontrá-lo aumentou. No regime atual de concessão,
são licitados blocos para a exploração
por empresas, a maioria de fora do
país, e pela Petrobras, tendo elas a
propriedade do petróleo retirado. A
remuneração máxima ao Estado em
seus diferentes níveis fica abaixo de
50% da renda da empresa petrolífera.
Em países grandes produtores de
petróleo, a remuneração do Estado
pelas empresas petrolíferas pode ultrapassar 80%. Em vez do regime de
concessão, alguns usam o regime de
contratos com partilha do petróleo
produzido ou com posse desse produto pelo Estado, por meio de uma entidade estatal, remunerando a empresa
petrolífera pelos serviços.
Alguns defendem que não se pode
mudar nada, pois espanta os investidores de fora. Ora, esse argumento é
ahistórico, ao estilo de Fukuyama,
pois, se fosse assim, estaríamos no
império ou ainda seríamos colônia. O
mundo do capitalismo é mais o de Heráclito: tudo se transforma o tempo
todo. Ou de Marx: tudo que é sólido se
desmancha no ar.
Outros dizem que a Petrobras não
terá os US$ 600 bilhões necessários
para retirar o petróleo do pré-sal, sendo importante dar concessões às empresas estrangeiras. Ora, é verdade
que o custo de investimento será alto,
dadas a profundidade sob o mar e a
própria natureza da camada de sal a
ser atravessada. A Coppe-UFRJ
(Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro),
inclusive, vem colaborando no desenvolvimento de tecnologia para superar esse desafio. Mas, se o preço de
US$ 120 por barril de petróleo cair
para US$ 100, 30 bilhões de barris já
dariam uma renda potencial de US$ 3
trilhões. Esse é um tesouro enterrado, e quem o possui não terá dificuldade de alavancar dinheiro ou encontrar parceiros.
Na Noruega, há uma empresa estatal enxuta para a gestão das reservas,
a Petoro, e outra para exploração, a
Statoil. Mas alegam que aqui uma estatal será sempre inoperante e cobiçada pelos partidos aliados para ocupar cargos. No entanto, a Petrobras é
eficiente e todos reconhecem isso.
Se a Petrobras é hegemônica no
atual regime, por que a nova empresa? Esse é um argumento forte dos
defensores do desenvolvimento nacional independente. De fato, pode-se
aumentar a participação da União e
reduzir os dividendos remetidos ao
exterior. Mas isso não basta, é preciso
mudar o regime, e a mudança mais
efetiva colocada até agora é a nova
empresa, desde que contrate a Petrobras como detentora da tecnologia
para explorar o pré-sal, com ou sem
parcerias, e sejam mantidos com ela
os contratos das áreas concedidas em
torno de Tupi.
LUIZ PINGUELLI ROSA, 66, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Foi presidente da Eletrobrás (2003-2004).
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