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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo deve criar uma empresa estatal para explorar a região do pré-sal?
NÃO
Mudar o regime atual é retrocesso
OSVAIR V. TREVISAN e SAUL B. SUSLICK
NO MUNDO todo, o aproveitamento dos recursos de petróleo e gás de cada país são gerenciados por meio de contratos entre governos e empresas. Os modelos
mais comuns são o regime de concessão e o de partilha da produção. Em
menor escala, ainda existe o contrato
de serviços, vigente em poucos países.
No Brasil, o atual regime utilizado,
de concessão, tem sido colocado em
questão a ponto de alguns políticos
terem sugerido uma mudança para o
sistema de partilha, o qual necessita
da atuação de uma empresa estatal.
Por isso, antes de discutir a criação
de uma nova empresa, é preciso colocar sobre a mesa os modelos e ver se a
mudança de regime seria um bom negócio para o país.
Para começar, devemos derrubar
alguns mitos. Um deles é a afirmação
de que o regime de partilha permite
que o governo receba mais dividendos da exploração do petróleo. Ambos
os regimes são flexíveis o suficiente
para permitir fatias maiores ou menores aos cofres do Estado.
Tampouco é verdade que a escolha
do tipo de contrato depende da quantidade de recursos petrolíferos ou do
grau de risco exploratório existente
em um país. Há exemplos e contra-exemplos dos dois lados.
Em que os dois sistemas diferem?
Os de concessão são mais práticos
de serem gerenciados, uma vez que
usam taxas e regras públicas conhecidas por todos os protagonistas. Sua
administração é normalmente feita
por um órgão de Estado que, na maioria das vezes, é uma agência reguladora. Esses órgãos gerenciam a apropriação da renda petroleira destinada ao Estado por meio de participações
governamentais. No Brasil, essa tarefa cabe à ANP (Agência Nacional do
Petróleo). Nesse sistema, todos os riscos da atividade correm integralmente por conta dos concessionários.
Os contratos de partilha, por sua
vez, têm uma operação mais complicada. Necessitam do gerenciamento
de um corpo de especialistas, pois envolvem elevados níveis de complexidade e riscos. São baseados no cálculo
da renda auferida depois de descontados os gastos com a exploração e os
custos da produção do óleo. O governo é o responsável pelos custos da atividade exploratória e da produção.
É preciso lembrar que a exploração
petrolífera envolve riscos, como gastos com poços secos, além de problemas complexos de logística e obstáculos operacionais. Some-se a esses os
problemas imputáveis ao governo,
como atrasos no licenciamento ambiental, além de outros de uma lista
grande demais para ser arrolada aqui.
No regime de partilha, os gastos são
feitos pelas empresas contratadas e
repassados ao governo. A parte da
renda que o governo leva depende
crucialmente do "profit oil", um jargão da indústria para designar a diferença entre as receitas obtidas e os
gastos da produção. Os cálculos não
são simples: dependem de especialistas que conheçam em detalhes as atividades, as operações, os equipamentos, os tempos envolvidos e todos os
eventuais problemas associados.
O trabalho ainda não terminou. No
regime de partilha, o governo fica
com o petróleo produzido. Isso quer
dizer que ele terá de se encarregar de
todas as operações subseqüentes até
transformá-lo em dinheiro. No mínimo, terá de tratar, transportar, armazenar, vender e entregar o produto.
O conjunto dessas atividades demanda um corpo de técnicos e especialistas típico de uma empresa de petróleo. Além disso, o número de profissionais envolvidos não é pequeno.
Muito tem se falado do modelo da
Noruega. O sistema fiscal do país nórdico é muito semelhante ao moderno
sistema de concessão existente no
Brasil. A tão citada norueguesa Petoro não é uma empresa operadora de
petróleo. Ela atua como um banco,
sendo gestora do fundo financeiro
criado com a parcela governamental
da renda gerada pelo setor.
É inegável que o regime de partilha
é um sistema mais oneroso na gerência dos contratos com as empresas,
sem falar na questão dos maiores riscos que traz ao controle de fraudes. O
Brasil tem hoje um sistema moderno
e elogiado de gerência dos contratos e
não há por que complicar, retrocedendo a um sistema de partilha. E, se
não o tivermos, não necessitamos de
outra empresa estatal de petróleo.
OSVAIR V. TREVISAN, 56, é professor titular do Departamento de Engenharia de Petróleo e diretor do Centro de
Estudos de Petróleo da Unicamp.
SAUL B. SUSLICK, 58, é professor titular do Departamento de Geologia e Recursos Naturais da Unicamp.
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