São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Mentindo ou escondendo a verdade ISAIAS RAW
Eu pertenço a uma comunidade
universal, aberta e democrática,
com códigos de ética e autofiscalização.
É a comunidade científica, que obtém
da sociedade recursos para investigar e
descobrir. A fim obter esses recursos, temos que apresentar nosso projeto de investigação às agências de financiamento, onde são submetidas a um grupo de
especialistas, mantidos anônimos, que
dá um parecer sobre a viabilidade da
proposta.
As pesquisas com transgênicos, alimentos, vacinas e medicamentos são cuidadosamente testadas por instituições rigorosas e acima de influências, como o norte-americano FDA. Exigir novos ensaios no Brasil constitui um atraso enorme para poder utilizar esses avanços da tecnologia moderna, com prejuízos econômicos ou sociais. Imagine questionar a insulina e o fator anti-hemofílico, hoje quase totalmente produzidos por bactérias transgênicas -cerca de 6% da população e milhares de hemofílicos estariam condenados à morte. Quando um poder civil ou religioso confronta as evidências científicas, atrasa o processo, mas acaba tendo que aceitar a evidência. Foi assim com Galileu e a Igreja Católica e assim será com a afirmação falsa de que camisinhas permitem a passagem dos vírus da Aids (e da hepatite B). O reverso aconteceu quando um juiz tomou uma decisão obrigando o governo a fornecer um produto transgênico para tratar uma centena de pacientes com uma doença hereditária, sem levar em conta que cada paciente custa ao Estado US$ 100 mil por ano, recurso que poderia evitar a morte de centenas de prematuros que não logram receber o surfantante, que custa R$ 200 (e que o Butantan deve brevemente fornecer a preços menores) ou diabéticos juvenis que necessitam de insulina. A decisão judicial não contempla a responsabilidade fiscal ou social -cumpra-se! No outro pólo, qualquer pessoa que ligar a televisão assiste arrepiado a um amontoado de mentiras, vendidas (por dinheiro) conscientemente, a uma população incapaz de analisar criticamente o que se lhe empurra. Na complexa estrutura judiciária, não se obriga um concessionário de rádio ou televisão a ser responsável, evitando que seu espaço seja usado por verdadeiros vigaristas que vendem águas milagrosas, que se locupletam à custa da ignorância da população. É raro contar com o poder público para proteger a população ingênua ou induzida pela propaganda antiética. Um exemplo raro foi a proibição, pela Anvisa, de anunciar que a vitamina C evita ou cura a gripe -mas ela continua a ser vendida pela propaganda anterior e pelo balconista da farmácia. Quando vamos retirar das farmácia montanhas de outros produtos que, se não fazem mal diretamente, fazem-no enganando a população que pensa estar sendo medicada e que, portanto, tem sua saúde prejudicada? Com 77 anos, 50 dedicados à pesquisa científica e ao ensino das ciências de todos os níveis, começo a pensar: que a Terra pare de girar, para eu descer! Isaias Raw, 77, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, é presidente da Fundação Butantan. Foi professor da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, da City University de Nova York e do MIT (todos nos EUA). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Betty Milan: O outro islã Índice |
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