São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O outro islã BETTY MILAN
"De que forma funciona o demoníaco hoje? O que se passa na alma de um homem que, sem razão, a
sangue frio, escolhe o mal e visa o crime
absoluto? O que, neste começo de século, faz com que a abjeção se torne desejo
e destino? Quem são estes novos possessos que pensam que tudo é permitido,
não porque Deus não exista, mas precisamente porque ele existe e a sua existência os enlouquece?"
Por sua relação com a morte -a crença em que ela é a porta do paraíso-, o muçulmano está mais predisposto a se tornar um kamikaze do que o judeu ou o cristão, mas não é a religião que explica essa conversão funesta, e sim a política. Tanto a de quem faz do World Trade Center duas torres crematórias, quanto a dos que fizeram a Guerra do Iraque. O terrorismo ofusca a luz do islã, que todo dia ensina os fiéis a não esquecerem o sol e as estrelas, rezando quando a voz do "muezzin" anuncia, pelo alto-falante, a aurora e a noite de sono por vir. Uma luz que ensina a desacreditar o "time is money" e a privilegiar o encontro, como fez o chofer de táxi que reduziu espontaneamente o preço da corrida para a metade, simplesmente porque pedi que ele traduzisse para o francês as frases do "muezzin". "Não é mais 80, é 40", respondeu Abdul, já parando o carro e vertendo o "Alla uacbá" para "Dieu est grand": Deus é grande. No "suque", o negócio pode levar horas. Tanto para que o negociante leve a melhor, quanto para que entre ele e o comprador se estabeleça uma conversa. Sem conversa, o negócio é inconcebível. Os ensinamentos da cultura islâmica são muitos, e muitos, por outro lado, os que o ocidental pode introduzir no Oriente. Pelo simples fato, por exemplo, de que sua conduta contraria a idéia de que o homem é superior à mulher. A política do pacifismo requer a troca entre as culturas. O progresso tanto depende disso quanto do avanço tecnológico -não pode haver progresso verdadeiro enquanto a guerra das civilizações perdurar. A palavra civilização sempre foi, é e será sinônimo da palavra convivência, que resultou nos frutos mais viçosos, coloridos e duradouros, como a cidade-oásis de Marrakech, onde o "suque" coteja o bairro judeu, e a arquitetura islâmica esposa o desenho "art decô", no legendário Mamúnia, o hotel de Winston Churchill, construído no jardim de oliveiras do príncipe Mamoun. Pelos tantos encontros que ela propicia, a viagem de Lula ao Oriente Médio faz a palavra civilização ressoar. Se o comércio entre o Brasil e o Oriente Médio se desenvolver, será um sucesso. Se a idéia de que se deve taxar o comércio de armas para combater a fome no mundo se impuser, a ida do presidente terá sido gloriosa. A paz é sempre a maior das missões presidenciais. Betty Milan, escritora e psicanalista, é autora de, entre outros livros, "A Paixão de Lia". Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Isaias Raw: Mentindo ou escondendo a verdade Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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