|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
Fracasso em Genebra
Brasil perde com novo colapso da Rodada Doha, mas trilhou na Suíça um caminho melhor para negociações comerciais
POUCAS VEZES desde que
foi lançada, em 2001, a
Rodada Doha de liberalização do comércio mundial esteve tão próxima de uma
conclusão como agora em Genebra. Teria sido, decerto, um desfecho aquém das expectativas
iniciais, talvez insuficiente para
lançar uma nova era nas trocas
mercantis internacionais. Ainda
assim, teria sido um bom acordo,
especialmente para o Brasil.
Entretanto, por um impasse
lateral ao núcleo da proposta delineada na sexta -quando o Itamaraty ousou, acertadamente,
afastar-se de parceiros tradicionais como Argentina, China e Índia para endossar um texto favorável ao interesse brasileiro-, a
negociação naufragou. Índia e
EUA foram irredutíveis em suas
posições acerca do mecanismo
de salvaguardas especiais, que
permitiria a uma nação elevar
extraordinariamente suas tarifas
quando as importações de determinado produto disparassem.
Os emissários do governo Bush
negociavam algo -a queda dos
subsídios agrícolas- que talvez
não pudessem entregar, dada a
hostilidade, agravada em período eleitoral, do Congresso dos
EUA ao tema e à gestão republicana. É possível que tenham encontrado numa disputa acessória com a Índia um pretexto para
dinamitar as negociações de Genebra e, assim, transmitir o ônus
para o próximo presidente, que
tomará posse em janeiro.
O negociador de Nova Déli, Kamal Nath, desde cedo mostrou
que foi à Suíça para exibir-se como um herdeiro de Nehru na defesa dos pobres do mundo contra
os ardis imperialistas. O discurso, ultrapassado nas principais
democracias contemporâneas,
ainda faz sucesso na Índia, em
especial no Partido do Congresso, pelo qual Nath pretende tornar-se premiê no ano que vem.
Por conta de idiossincrasias
desse naipe, a agenda de liberalização do comércio agrícola mergulha agora num novo período
de refluxo. Dificilmente voltará à
tona antes da reconfiguração política por que vão passar a Casa
Branca e o Congresso americano. Os países começam, então, a
buscar alternativas menos ambiciosas, como os acordos bilaterais e setoriais de comércio.
Prevê-se também um novo ciclo de conflitos judiciais na Organização Mundial do Comércio.
Questionamentos contra subsídios e barreiras a importações,
que estavam engavetados à espera de solução sistêmica na Rodada Doha, serão retomados.
Embora o Brasil tenha sido
bastante prejudicado pela falta
de acordo em Genebra, pois teria
muito a ganhar com a queda de
barreiras a suas exportações
agrícolas, o saldo para a diplomacia brasileira não foi ruim. O Itamaraty percebeu, enfim, as peculiaridades das negociações comerciais e soube se desvencilhar
de amarras meramente ideológicas a fim de defender o interesse
econômico brasileiro.
Que tenha sido o início, ainda
que tardio, de uma fase mais
pragmática na diplomacia comercial do governo Lula. Tal ânimo será necessário para romper
tabus, como a negociação de tratados comerciais com os EUA e a
emancipação do Brasil, no âmbito do Mercosul, para fazer os
acordos que lhe interessarem.
Próximo Texto: Editoriais: Satisfação ao usuário
Índice
|