São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
JANIO DE FREITAS Aos olhos do mundo
ALÉM DA BELEZA ofertada pelo povo que se levanta contra a opressão, como se deu na Tunísia e no Egito, esses episódios têm dois componentes ainda mais extraordinários. Se, de uma parte, a resistência passiva ressurge, para ser vitoriosa, mais de meio século depois dos indianos de Gandhi contra o colonizador inglês, de outro a conduta das Forças Armadas egípcias revelou uma propriedade anormal em forças militares: a sutileza. A maneira como o conselho militar egípcio introduziu os sinais de que Mubarak estava afastado, de tão refinada, ficou até pouco percebida em seu sentido. Distribuir as imagens da reunião do conselho militar sem o seu presidente, e com um marechal a substituí-lo, insinuou a indagação sobre a ausência de Mubarak e sugeriu o desligamento efetivo, não só em palavras simpáticas ao povo, entre a cúpula militar e o militar-ditador. O "nº 1" anexado ao título "Comunicado" emitido pelo conselho, com definições para o futuro do Egito e compromissos imediatos com o povo, concentrava sua importância no número: era a informação sutil de que as decisões de poder estavam com quem emitia o comunicado e se seguiriam em novos números de boletins. Depois, por certo bem recebidas as novidades pelos rebelados, em qualquer medida de sua compreensão, foi só divulgar a renúncia de Mubarak. Sem retirar, do povo para os militares, a força que levou ao ato final -como, na prática, retirou. Os militares egípcios, a seguir os princípios de formação e mentalidade da espécie mundo afora, resistiriam a relegar o regime que lhes deu três décadas de benesses fartas. Para apoiar a criação da ditadura, apoiaram a inversão de toda a estratégia e a geopolítica egípcias, que o antecessor de Mubarak já redesenhava até ser por isso assassinado. Diante disso, é válido supor que os comandos militares pensaram no risco de ter pela frente uma guerra civil. Nem isso, porém, nega o caráter extraodinário de sua conduta. Extraordinária foi também a atração exercida pelo Egito há tanto excluído do mapa internacional de atenções. Deixado pelas potências como um servo obediente e sem méritos, a inserção subalterna do Egito não faria imaginar o mundo interessado na reação do seu povo à opressão. Mas grande parte do planeta esteve, por 18 dias, mais do que atenta aos egípcios: esteve empolgada com esse povo de repente redivivo, e ansiosa por ele. Os direitos e a liberdade postos em igualdade com a eclosão de guerras, as grandes calamidades, os dramas de mineiros nas profundezas. Extraordinário. De onde viria a atração? A procura da resposta se justificaria de numerosos modos. Fica aí uma hipótese: não viria, tal identificação, de uma vontade insatisfeita de democracia verdadeira à volta de sua própria casa, na França como na Indonésia, na Itália como na Grécia e na Alemanha, por toda parte na fantasia das democracias? A propósito, é irresistível sublinhar a reação à queda de Mubarak por parte do presidente da França, terra onde toda opressão foi motivo de mais ideias e exaltações do que em qualquer outra. Nicolas Sarkozy saudou "a coragem" do ditador de renunciar. Por sorte dos ouvintes, não rendeu sua homenagem a outras características mais autênticas de Mubarak e do povo egípcio. Texto Anterior: A vida longe do Poder Próximo Texto: Crítica a ajuste fiscal faz Mantega cobrar explicação de Dirceu Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |