São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011 |
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ELIO GASPARI O SUS é mais bem avaliado por quem o usa
DEVE-SE AO economista John Kenneth Galbraith a expressão "sabedoria convencional" para designar alguma coisa que as pessoas acham porque outras pessoas acham. Por exemplo: se a África está atolada em ladroeiras, golpes e miséria, como Botsuana está na África, Botsuana está ferrado. Erro, esse é um caso de ignorância convencional. Em 30 anos, o país cresceu a uma média superior à da China, Coreia ou EUA. Sua renda multiplicou-se 13 vezes e seus cidadãos tornaram-se mais ricos que os tailandeses, búlgaros ou peruanos. (Mais exemplos no livro "The Rational Optimist", de Matt Ridley, US$ 12,99 no e-book.) Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revelou que a percepção de que a rede de saúde pública brasileira é um desastre tem um perigoso ingrediente de ignorância convencional. O SUS não é nenhum Botsuana, mas 30,4% dos entrevistados que buscaram seus serviços ou acompanharam um familiar no último ano avaliaram-no, de uma maneira geral, como bom ou muito bom, enquanto 27,6% consideraram-no ruim ou muito ruim. O índice de aprovação do SUS fica na mesma faixa onde estão os serviços financeiros, aéreos e de telecomunicações. Propagando a ignorância convencional, 34,3% dos entrevistados que não tiveram experiência alguma com o SUS acharam-no ruim ou muito ruim, e só 19,2% consideraram-no bom ou muito bom. A visão catastrofista está mais em quem não usa o serviço do que naqueles que o usam. Essa tendência já foi detectada há tempo e pesquisas do Ibope informam que ela ocorre também nas áreas de transporte e educação. Palpite: quem não usa um serviço que atende ao andar de baixo sente-se recompensado ao achar que ele não presta, pois custa-lhe dinheiro fugir da rede de atendimento da patuleia. Julga-se protegido, mesmo suspeitando que o plano de saúde poderá desová-lo na rede pública quando seu tratamento for mais caro. Esse pode ter sido o caso do cidadão que a seguradora Porto Seguro, amparada pela Agência Nacional de Saúde, remeteu ao SUS para receber (de graça) uma dispendiosa droga contra artrite reumatoide. Ele, que paga R$ 8.000 mensais no seu plano familiar, argumentou: "Eu não vou ficar em fila de SUS nem morto". Avaliando cada ramo dos serviços utilizados, os números do Ipea dizem mais: 80,7% dos entrevistados atendidos pelo programa Saúde da Família consideram-no bom ou muito bom; 69,6% dos clientes do serviço de distribuição de remédios gratuitos deram a mesma boa opinião. A avaliação positiva do atendimento por médicos especialistas ficou em 60,6%. Na rabeira, com 48% e 45% de aprovação, estão as emergências e os postos de saúde, considerados ruins ou muito ruins por 31% dos entrevistados que os utilizaram. Mesmo sabendo-se o risco que há em qualquer comparação de pesquisas, os números do Ipea colocam o SUS num patamar um pouco melhor que o do sistema público e privado americano (o que não chega a ser um elogio) e um pouco pior que o austríaco. Na Alemanha, 14% dos entrevistados acham que a área da saúde pública precisa ser completamente reconstruída, enquanto 38% acreditam que alguns ajustes seriam suficientes. Se a freguesia do SUS botar a boca no mundo toda vez que for mal atendida, ele melhorará. Se baixar a cabeça, achando que "é assim mesmo", piorará. Em qualquer caso, não é justo que se tenha uma má opinião de um serviço público a partir do juízo de quem não o usa. Serviço: a pesquisa do Ipea está, na íntegra, em seu portal. EREMILDO, O IDIOTA Eremildo é um idiota e convenceu-se de que a Irmandade Muçulmana, um dos braços populares da revolução egípcia, tornou-se um movimento moderado, quase secular. Ele compartilha essa opinião com três amigos: Pepe, o cubano, que confiava nas convicções democráticas de um jovem barbudo que lutava na Sierra Maestra contra o ditador Fulgêncio Batista. Até ex-aluno dos jesuítas Fidel Castro fora. An Bui Duong, o vietnamita, garantia que os guerrilheiros do Vietcong não eram todos comunistas e formavam uma coligação sem qualquer interesse em anexar o Vietnã do Sul ao do Norte. Ardeshir Amirzadeh, o iraniano, delirou em 1980, quando um presidente laico assumiu a Presidência do seu país. Pepe fugiu de Cuba em 1963 e montou uma oficina em Miami. Bui Duong saiu do Vietnã em 1978 numa jangada e tem uma pizzaria no Panamá. Ardeshir montou uma exportadora em Paris e desde 1982 é vizinho do ex-presidente Banisadr. $ISTEMA S Há um ano o ministro Fernando Haddad, da Educação, tentou desviar para os cofres da Viúva parte do ervanário que o Sistema S, formado pelas confederações patronais, recolhe na folha de pagamento dos trabalhadores. É um ervanário de R$ 13 bilhões, protegido por uma das mais poderosas blindagens político-empresariais do eixo São Paulo-Brasília. Haddad recuou e agora quer buscar pelo menos R$ 3 bilhões que, a seu juízo, Sesi, Senai, Senac e Sesc devem à Viúva. As confederações orgulham-se de seus projetos educacionais e culturais, mas a crônica da utilização do dinheiro do Sistema S indica que ele faz também uma singular plutofilantropia, a filantropia para endinheirados. O TREM-BALA E O FARAÓ O trem-bala superlotou antes de existir. Infelizmente, não é uma superlotação de passageiros, mas de fontes públicas de financiamento e gestão. Pelo lado das autoridades embarcaram o Planalto, o Ministério dos Transportes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Valec. Pelo lado das fontes financiadoras, embarcaram o Tesouro, os fundos de pensão da Viúva, os Correios e, na última hora, a Eletrobras. Aquilo que inicialmente foi um projeto audacioso começou a se transformar numa obsessão. Ao amanhecer, não precisaria de um só centavo de dinheiro da Viúva. Hoje, cata recursos nos cofres das estatais. Os Correios e a Eletrobras são empurrados para dentro do trem-bala porque o projeto não consegue investidores privados. Na semana passada, diante da queixa de que a ECT entraria como sócia num trem sem ter feito os devidos estudos de demanda para o transporte de suas mercadorias, a empresa esclareceu que "ainda está em discussões iniciais sobre a viabilidade de participar do consórcio do trem-bala. Estudos sobre demanda serão realizados no momento adequado"." Ficaria tudo melhor se a ECT invertesse o procedimento e dissesse assim: "A empresa ainda está estudando a demanda. As discussões sobre a viabilidade de participar do consórcio serão realizadas no momento adequado". É isso que faz quem quer montar uma barraca para vender beringelas na feira. Empreiteiro é aquele sujeito que convenceu o faraó a empilhar umas pedras no deserto. No caso do trem-bala, é o faraó quem quer convencer o empreiteiro. Texto Anterior: PF cria base em SP para achar vítimas da ditadura Próximo Texto: Osesp encerra período de celebridades Índice | Comunicar Erros |
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