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A BOLA DA VEZ
Ndumiso Ngcobo comenta as agressões a imigrantes africanos, a Copa do Mundo e o sucesso de seu livro
Autor zulu desnuda sociedade com humor
DA REPORTAGEM LOCAL
Nas livrarias dos aeroportos
e grandes cidades, lá está ele,
onipresente nas estantes dos
mais vendidos: um coco transformado num rosto sorridente.
A figura está na capa de "Some
of My Best Friends Are White"
(alguns dos meus melhores
amigos são brancos; 170 págs,.
ed. Two Dogs), do escritor zulu
Ndumiso Ngcobo, e ilustra a gíria que significa "negro por fora
e branco por dentro".
A menção poderia ser explosiva no país que viu o regime racista do apartheid ruir há apenas 18 anos. Mas, usando humor e deixando o politicamente correto de lado, Ngcobo, 35,
tornou-se um dos blogueiros
mais lidos no portal Thought
Leader (www.thoughtleader.co.za/silwane), sob o
pseudônimo de Silwane Kanjila, e viu seu primeiro livro virar
sucesso de vendas. Leia trechos
da entrevista exclusiva de
Ngcobo concedida à Folha por
e-mail.
(MARINA DELLA VALLE)
FOLHA - A que elementos você credita o sucesso de seu primeiro livro?
NDUMISO NGCOBO - Eu acho que
foi uma combinação da qualidade do produto, marketing
persistente e o elemento da
sorte. Acho que os leitores
apreciam a honestidade brutal
da escrita e o modo não-carola
como os assuntos são abordados. Começar um blog de sucesso também provou ser uma
jogada de mestre em termos de
promoção.
FOLHA - Ao escrever, você não poupa ninguém de comentários ácidos,
incluindo você mesmo, e não mostra muito respeito pela atual onda
politicamente correta no mundo.
Como esse aspecto de sua escrita se
encaixa na sociedade sul-africana
18 anos após o fim do apartheid?
NGCOBO - A ascensão do [comportamento] politicamente
correto nunca é atribuída às
verdadeiras forças que estão
por trás dele. Uma dessas forças é simplesmente o medo. O
medo de se encontrar fora do
círculo da normalidade. O medo de ser diferente. O medo de
se expressar honestamente. A
onda politicamente correta não
impede as pessoas de acalentar
estereótipos racistas, sexistas
ou outros exemplos negativos
sobre outros grupos. Tudo o
que ela faz é permitir que esses
sentimentos prosperem dentro
dos confins escuros dos peitos
das pessoas, infectando como
bactéria. Eu acredito que se deve permitir que os sentimentos
das pessoas sejam expostos antes da pressão do confronto.
Expor visões pouco populares
dá a outras pessoas a oportunidade de questioná-las, entendê-las. Alternativamente, pode
até modificar a posição de
quem emite tais opiniões. No
entanto, estou certo de uma
coisa: não falar com pessoas
que têm posições com os quais
discordamos é o máximo da estupidez.
FOLHA - Como você vê o problema
da violência contra imigrantes de
outros países africanos na África do
Sul? Como esses últimos episódios
se relacionam com a situação geral
da questão social?
NGCOBO - Estou feliz por você
descrever as vítimas dessa recente idiotice como "imigrantes africanos", pois é um reconhecimento de que é uma xenofobia seletiva especialmente
dirigida a imigrantes negros.
Mas sejamos claros sobre uma
questão: não é algo dirigido especificamente a imigrantes negros. É por isso que eu me recuso a chamar o fenômeno de xenofobia. Eu acho que é mais um
ódio racista de si mesmo. Caso
fosse xenofobia, também seria
dirigida a imigrantes da Ásia e
do Leste Europeu. O que mais
me preocupa, após a loucura a
que assistimos, é a evidência de
que, como sociedade, nossa capacidade de análise das causas
é particularmente pobre.
Na África do Sul, parece que
decidimos, sem análise adequada, que a causa é a frustração com o lento avanço do programa de alívio da pobreza do
governo. Bobagem. Se isso fosse verdade, o povo pobre e marginalizado teria, figurativamente, tomado a Bastilha. Não
há uma explicação racional de
porque outras pessoas pobres e
marginalizadas deveriam sofrer o peso das falhas do Estado.
FOLHA - Qual sua opinião sobre a
Copa do Mundo de 2010 na África
do Sul? Como você acredita que a
população está respondendo aos
preparativos para o evento?
NGCOBO - Ser sede da Copa do
Mundo é uma grande oportunidade para a África do Sul reverter a maré de negativismo que
se infiltrou na sociedade nos últimos três anos. É uma oportunidade de nos dar um foco para
todo o trabalho para o evento, e,
durante o processo, fazer com
que nós percebamos que temos
um interesse comum em fazer
as coisas darem certo. Os sul-africanos são incrivelmente resilientes e determinados. Mas
respondemos mais à inspiração
do que ao planejamento meticuloso. Em 2010, acredito que
vamos dar ao mundo um dos
eventos mais memoráveis.
FOLHA - Você publicou um relato
engraçado sobre como é a vida hoje
em dia nos subúrbios e nas townships. Como vê as últimas mudanças
na sociedade sul-africana?
NGCOBO - A sociedade sul-africana permanece ainda segregada, dividida entre a grande
maioria negra e pobre e a minoria branca e rica. Sim, há uma
pequena classe média negra
que, em sua maior parte, está
tentando invadir o privilégio
dos brancos, antes exclusivo.
Infelizmente, essa parece ser a
única abordagem unidimensional para resolver o abismo sempre maior entre os ricos e os pobres.
FOLHA - Você diz no livro que não é
fã da Cidade do Cabo porque toda
vez que vai lá, acaba pagando uma
fortuna por comida e bebida e "sendo tratado como um suspeito da Al-Qaeda". Há um tratamento diferente para os turistas negros nessa cidade? E em outros pontos turísticos?
NGCOBO - O livro é, em grande
escala, uma coleção de opiniões
pessoais baseadas em minhas
próprias experiências. Um engano comum sobre ele é que expresso opiniões que representam uma porção maior da população, por exemplo, os homens zulus.
A verdade é que minhas percepções negativas sobre a Cidade do Cabo bem podem ser resultado de idéias preconcebidas minhas.
Tendo dito isso, acho que
parte do meu problema com a
Cidade do Cabo é que eu provavelmente sinto que ela não é suficientemente "africana". Afinal, a Cidade do Cabo tem uma
população negra menor do que
qualquer outra cidade grande
na África do Sul.
Por outro lado, temos uma
história particular nesse país, e
seria pouco realista não reconhecer que ainda nos relacionamos com base na cor da pele.
Mas esse é um fenômeno geral
por todo o país. Eu acabei de
voltar da Cidade do Cabo e foi
uma ótima experiência. Não é
meu lugar favorito para relaxar
- ainda prefiro Durban, a costa
norte de KwaZulu-Natal e Port
Elizabeth. Mas é apenas uma
preferência pessoal.
FOLHA - Como turista, senti mais
tensão social em Durban do que na
Cidade do Cabo. Essa é uma percepção real?
NGCOBO - Você precisa entender o fato de que a população da
África do Sul tem uma obsessão
desproporcional com o crime
em geral. A Cidade do Cabo tem
um problema muito maior com
o crime do que Durban [onde o
autor mora]. Acho que a população da Cidade do Cabo está
começando a perceber a situação e ficando menos obcecada.
Pessoalmente, eu nunca senti
uma angústia maior em relação
ao crime em Durban em comparação à Cidade do Cabo.
FOLHA - Quais seus locais prediletos para férias no território da África
do Sul? E quais lugares você recomendaria aos turistas brasileiros?
NGCOBO - A África do Sul é
muito mais do que a Cidade do
Cabo e Durban. Mencionei o
norte de KwaZulu-Natal, mas
há Mpumalanga, o Noroeste, o
Cabo Leste, Limpopo etc. Eu,
particularmente, adoro locais
pequenos e calmos, como
Isandlwana e Mthunzini.
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