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Autores de novela discutem a repetição de temas, situações e perfis de personagens
Vela e pena ver de novo?
Fotos TV Globo
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ELAS COM ELAS Enquanto Clara (Aline Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) estão descobrindo sua sexualidade, num relacionamento de muito afeto e dubiedade, algumas moças, mesmo em tempo de repressão e forte preconceito mostraram que só eram felizes juntas. Foi assim com Laís (Cristina Prochaska) e Cecília (Lala Deheinzelin), em Vale Tudo (1988), e Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer), em Torre de Babel (1998). Nos dois casos, os autores julgaram conveniente que uma das parceiras morresse durante a trama para calar o falatório da opinião pública.
SIMONE MAGALHÃES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
DIFÍCIL não bater aquela sensação
de "déja vu" ao sintonizar uma novela e dar de cara com cenas de amores
mal-resolvidos do passado que se transformaram em ódio, cinquentonas namorando garotões, relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e outros clichês.
"Acredito que o público goste de uma
história bem contada. Se consigo isso,
ótimo. Não existe fórmula", afirma Manoel Carlos, 70, autor de "Mulheres
Apaixonadas" (Globo, 20h55), que agora
parece estar engrenando na audiência
-já atinge 45 pontos (cada ponto equivale a 48,5 mil domicílios na Grande SP).
O novelista conta de onde vêm suas
histórias: "A do padre [que se apaixona",
eu conheci pessoas que viveram esse
amor proibido. A da filha do porteiro
que tem vergonha do pai, me foi contada
pela professora do meu filho. Compro
jornais de vários Estados e de cidades do
interior de São Paulo e recorto tudo o
que me interessa".
Para o autor de "O Beijo do Vampiro"
(19h), Antonio Calmon, é preciso mexer
nas velhas receitas. "Claro que existem
fórmulas e estratégias. Acho que você
tem que servir sempre o mesmo prato,
senão desaponta os telespectadores, mas
com um tempero diferente, para não
acharem a novela realmente repetitiva."
Calmon diz que esse tipo de crítica parte de uma elite cultural. "São pessoas a
quem as novelas não são destinadas,
consumidoras de produtos mais sofisticados, como filmes, canais a cabo ou
DVDs, e que têm uma visão político-totalitária da cultura", afirma.
Ricardo Linhares, que assina "Agora É
Que São Elas" (18h10), observa que cada
vez que um autor usa uma trama recorrente, a aborda com os olhos de hoje. Ele
exemplifica com o velho "golpe da barriga", que a bailarina Pâmela (Karina Bacchi) vai aplicar no ricaço Vitório (Paulo
Vilhena) na sua novela. "São as histórias
do cotidiano com novas roupagens."
Só que essa releitura esbarra, muitas
vezes, num obstáculo, segundo Linhares.
"O que deu certo numa época pode não
dar em outra. Depende do público. É a
partir da reação dele que o autor vai enfatizar ou não um assunto."
Cobranças
Para Silvio de Abreu,
cuja última trama produzida foi "As Filhas da Mãe" (2001/ 2002), a questão tem
outro componente: a urgência para que a
novela emplaque. "A maioria dos noveleiros leva um tempo para se acostumar
às novidades, e, do jeito que a concorrência entre as redes se acelerou, nenhuma
emissora se arrisca a esperar."
Glória Perez recorda que um de seus
maiores sucessos, "Barriga de Aluguel"
(90/91), nada mais era do que um megaclichê da dramaturgia: duas mães que
disputam um filho. "Mas, quando fiz
com que as rivais fossem uma mãe-de-aluguel e uma mãe biológica, o velho
conflito vestiu roupa nova", observa a
autora de "O Clone" (2001/2002), o
maior sucesso de público da Globo desde
que o Ibope adotou seus atuais critérios
de medição de audiência (veja quadro).
Glória acrescenta: "Eu não corro atrás
do inédito. Sou antenada com o mundo à
minha volta. Escrevo sobre coisas que estou vendo acontecerem".
Ana Maria Moretzsohn, autora de "Sabor da Paixão", concorda. "A situação de
amar um inimigo é normalmente ligada
a "Romeu e Julieta", mas há muitas histórias que têm a mesma situação dramática e nem por isso são parecidas", diz.
Gilberto Braga também não vê problema. "Se você beijou alguém bonito uma
vez, não há motivo para não beijar a segunda e a terceira, há?", compara o autor
de "Celebridades", a próxima das oito.
Carlos Lombardi, autor de "Kubanacan", que estréia no próximo dia 21, às
19h, brinca: "Se a história tiver algum tema inédito, pode me processar".
Teóricos
Para Renata Pallottini, escritora e orientadora de mestrado e doutorado da Escola de Comunicações e Artes da USP, certas fórmulas estão desgastadas, e o público está se cansando. "Mas
a novela ainda tem vida longa."
Mauro Alencar, doutorando em telenovelas da USP, acha que, com a exibição de mais de 500 novelas diárias, há 40
anos, fica difícil para os autores descobrir temas novos. "O público se ressente
da falta de mudanças geográficas nas locações e da utilização da literatura nos
textos. Aqui deveria haver escolas para
formar autores, como no México", diz.
O diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger, crê que a distinção da teledramaturgia da emissora "é o
toque de realidade" que aumenta o vínculo do telespectador com a novela. "Os
sentimentos são os mesmos. Diferente é
a forma de tratá-los. Não há fórmula: depende da empatia com o público."
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