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Membros da última claque ativa da TV brasileira saem de longe para gargalhar na Globo
A arte de rir
João Miguel Jr./TV Globo
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Seis dos 20 membros fixos da claque da Globo posam ao lado da maestrina Selma Duarte (de braços abertos) |
FERNANDA DANNEMANN
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
HÁ 20 ANOS, a dona-de-casa Diva
Cavalcanti, então com 57, encontrou na TV Globo o remédio para a tristeza de ter perdido um filho. "Estava com
a vida difícil e uma vizinha disse que os
Trapalhões precisavam de gente pra rir.
Fui lá distrair a cabeça e estou até hoje.
Foi o que me salvou. Eu estava infeliz,
mas ria. Quer que eu dê uma risada
aqui?", diz ela, que achou na claque da
emissora o único trabalho remunerado
que já teve.
Último vestígio de uma época romântica da TV, a claque -que antes de chegar a ela passou pelo teatro e pelo rádio- é o acesso que gente como Diva
tem para o mundo mágico da televisão:
morando em Bonsucesso (zona norte do
Rio), ela pega dois ônibus para chegar ao
Projac (complexo de estúdios da Globo
em Jacarepaguá, zona oeste), num trajeto que dura quase três horas.
Para os 20 claqueiros da equipe, que
não querem perder seus lugares nas gravações de "Zorra Total" e "Programa do
Didi", o trabalho representa mais que os
R$ 20,00 ganhos por dia de labuta.
"Achei interessante demais aquele ambiente de televisão. Nunca tinha visto
uma gravação e acabei desenvolvendo
meu lado das artes", diz Natanael Batista,
42, cobrador domiciliar, que tomou gosto pelo desenho a partir do dia-a-dia na
Globo. Para Diva Cavalcanti, o melhor é
a convivência com os famosos. "Adoro
tirar retrato com os artistas", diz ela.
Na regência do riso, Selma Regina
Duarte, 51, ex-auxiliar de escritório e
maestrina há duas décadas, defende sua
equipe das más línguas. "A claque é formada por gente humilde e, muitas vezes,
é zombada por figurantes que se acham
os bons por estarem na frente das câmeras. No entanto, muitos ficam lá implorando pra gravar uma cena. Digo a eles:
"amanhã é você quem pode estar sentado
aqui". Além do mais, meu pessoal ganha
um salariozinho maravilhoso, que muito
vendedor de shopping não ganha'".
Para ela, que conduz o grupo com sinais de "rir", "diminuir" e "parar", o
mais difícil é não deixar a turma extrapolar. "Antigamente eu me prendia mais à
estética; hoje dou sinal com a mão, com o
dedo, com a cabeça. Eles se divertem
com meu jeito muito doido", diz ela.
Selma Duarte é severa e tem controle
de qualidade. Na hora do teste, fica de
olho para pegar os mímicos. "Tem gente
que abre 180º de boca, se requebra toda
na cadeira e não solta um rá-rá-rá."
A profissão também foi terapêutica para Natanael Batista. Levado pela mãe,
que já era "claqueira", foi lá que ele curou, sem medicina, uma crônica dificuldade de socialização. "Eu era muito tímido, deprimido, caladão. Ficava pelos cantos me queixando de tudo. No começo meu riso ficou preso, mas, com o incentivo da risada dos amigos, soltei minha gargalhada: Rá, Rá, Rá! Gostou?
Aprendi na claque", diz satisfeito.
Afora benefícios psicológicos, há também os mais práticos. "A comida lá é ótima", afirma Ruth da Silva Batista, 77,
mãe de Natanael, que estreou na profissão no "Balança Mas Não Cai", há mais
de 15 anos. Ao fim de um programa do
Chacrinha, ela acabou entrando numa fila de senhoras, e, quando se deu conta,
estava em pleno teste de risadas.
"Disseram que meu riso era bom. Cheguei em casa e falei: "gente, vou trabalhar
na Globo!", e quando contei qual era o
trabalho, meus filhos caíram na risada",
lembra, às gargalhadas.
Outra que saiu da platéia do Chacrinha
foi Josepha Soares da Silva, 67, a mais antiga da equipe. "Eu era "macaca de auditório'", diz ela, que também é figurante.
"Fui gravar [a novela] "Roque Santeiro"
[85-86] e um fiscal da figuração me chamou pra ganhar um extra no Teatro Fênix. Não sabia que existia esse negócio de
riso, mas gostei. É só sentar na cadeira e
rir. Se não escuto a piada, rio do mesmo
jeito", afirma, dizendo que o marido,
epilético, foi dispensado. "Às vezes tinha
convulsão, podia quebrar alguma coisa."
Assim como Josepha, Sebastiana
Duarte, 77, saiu da figuração. Seu papel
mais importante foi como tia do saudoso
Zeca Diabo, interpretado por Lima
Duarte, em "O Bem Amado" (1973).
Fora da claque há oito anos, ela só pensa em voltar. "Morro de saudades, mas
minha filha [a maestrina Selma] diz que
não vou aguentar", lamenta.
Definida por todos os integrantes como "verdadeira terapia", a claque, dependendo da situação, também pode ser
um trabalho árduo. Ruth Batista dá a explicação: "Se fico triste? Ah, de todo jeito tenho que rir. Às vezes, morre um parente, eu choro no enterro e de lá vou trabalhar, dar risada na claque. E se rio no
mercado e me pedem pra repetir, aviso
logo que essa minha gargalhada custa dinheiro".
Em meio a todo o aparato tecnológico
dos estúdios da Globo, a claque, que assiste às cenas através de um monitor
(ilustração na página ao lado), não entende sua longevidade. Selma tem uma
teoria: "Há dois anos os humorísticos
saíram de férias e a gente não ia voltar.
Todo mundo reclamou, técnicos, artistas, continuistas, maquinistas... todos
acharam que o programa, com risada
gravada, ficou igual a um cemitério."
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