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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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Televendedores se desdobram numa rotina alucinante para aparecer nos mais variados programas e canais

Tudo pelo seu TELEFONEMA

Matuiti Mayezo/Folha Imagem
Paulo Salgado no estúdio da Rede TV!, anunciando CDs


ANA PAULA FRANZOIA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

VERSATILIDADE é a palavra de ordem entre os televendedores. Em suas pequenas bancadas no canto dos estúdios, eles podem anunciar antena de televisão, creme redutor de gorduras, cabide multiuso, carro, pílula emagrecedora ou título de capitalização. Mas, como não têm vínculo empregatício com nenhuma emissora, o local de trabalho também muda a toda hora, e isso transforma sua rotina diária numa autêntica maratona. Os televendedores mais requisitados podem ser vistos num único dia em até cinco programas de emissoras diferentes. "Outro dia, fiz a conta e vi que apareço na TV em média uma hora por semana, somados todos os merchandisings que apresento", diz Paulo Salgado, 36, apelidado de "Silvio Santos" por Ney Gonçalves Dias, da RedeTV!. Um dos pioneiros na atividade, Salgado deixou o jornalismo para ser televendedor há dez anos. "Seria muito difícil receber o que ganho hoje se tivesse continuado como repórter de televisão", diz. Como a maioria dos profissionais, o televendedor não gosta de contar quanto ganha. "A média mensal fica entre R$ 10 e R$ 15 mil para os mais experientes", segreda um deles, pedindo anonimato. Eles não ganham comissão sobre as vendas, mas recebem cachês por entrada no vídeo. Para os iniciantes, o valor por aparição gira em torno dos R$ 100, e as despesas com figurino, maquiagem e transporte são pagas do próprio bolso. "Para começar, o melhor caminho é entrar em contato com as empresas e agências que atuam no setor de televendas", indica Verena Zago, 29, no ramo há quatro anos. "Comecei como operadora de telemarketing, e o funcionário da empresa que fazia o merchandising faltou. Meu gerente me convidou e, em pouco tempo, já estava pulando de estúdio em estúdio", lembra ela. O começo da carreira de Ademir Plasa Filho, 29, foi bem parecido. "Trabalhava como vendedor em uma corretora e fui chamado para substituir um colega na TV. A tensão se dissolveu nos primeiros segundos, pois sou comunicativo."

Correria
O dia-a-dia da profissão afasta qualquer imagem de glamour. De 12 horas diárias de trabalho, pelo menos quatro são passadas dentro do carro. Como ganham por aparições, é preciso fazer várias ações de vendas por dia para conseguir um bom rendimento mensal. O trânsito de São Paulo é um inimigo constante, especialmente em dias de chuva. Verena quase faz mágica para cumprir a agenda. "Com certeza, parte significativa do que ganho vai para as multas", diz. Quando o tempo fecha, o jeito é trocar as ações com algum colega de trabalho. "Na semana passada, estava na RedeTV!, em Barueri, e precisava chegar em meia hora à Gazeta, na avenida Paulista. Não dava. Liguei para o Paulinho, e trocamos. Fiz o dele na RedeTV!, e ele o meu na Gazeta", conta Verena. A moto parecia a solução perfeita para Plasa Filho, mas as duas que comprou foram roubadas. "Não tem jeito, tenho que usar um carro", reclama. Um dos poucos que trabalham com contrato de exclusividade, Plasa conta que já chegou a fazer 13 ações num único dia. Para os dias mais caóticos, Wilson Bombini Júnior, 24, lança mão de um recurso extremo. "Ligo para uma empresa de motoboys e peço um com garupa para me levar a outra emissora."

Patinhos feios
Apesar de serem vistas com certo desdém pelas emissoras, que não gostam de falar sobre o assunto, as televendas têm garantido a sobrevivência de alguns canais. Na Rede TV!, o campeão de inserções é o "A Casa É Sua", com 20 minutos por edição, seguido do "Bom Dia Mulher", com 18.
Uma fonte que prefere não se identificar afirma que 25% do faturamento da RedeTV! vêm daí. Um sinal disso é que a emissora deixou de transmitir o Grande Prêmio da Inglaterra de Fórmula Mundial, na manhã do último dia 5, para não sacrificar os anunciantes do "Bom Dia Mulher".
Diretor de planejamento da agência de publicidade AlmapBBDO, Hélcio Emerch diz que essa modalidade de propaganda serve como paliativo à ausência dos grandes anunciantes, que preferem investir em horários mais nobres. "Esse tipo de publicidade pode ser comparado aos marreteiros [camelôs"."
Para as empresas de televendas, no entanto, o rendimento em nada lembra o dos ambulantes. A ação custa pouco -em média R$ 5 mil por dois minutos- e dá resultados imediatos.
"Quando entro no ar, tenho em mente que preciso fazer o telefone tocar no "callcenter'", afirma Verena. A média de ligações varia muito. "O ibope é importante, mas não é tudo, o fundamental é o produto ser adequado ao público daquele programa", diz Salgado.
Alguns dias são tradicionalmente piores. "Na sexta-feira é duro, e, por isso, costumo ser ainda mais incisiva, pareço uma feirante", brinca Verena.
O jogo de cintura e a capacidade de improvisação são fundamentais. "O produto mais difícil que vendi foi um kit religioso, com velas e orações. Foi complicado oferecer algo não palpável", conta ela.
Na lista dos produtos mais aceitos, estão os emagrecedores e os planos de capitalização. "As pessoas sonham com carro, casa própria, e isso ajuda."
Mas os telefones disparam mesmo quando o inesperado acontece. "Se cometemos alguma gafe, os telespectadores ligam sem parar", diz Salgado, que, como os colegas, recorre às dálias (papéis com os telefones anotados que ficam atrás das câmeras) para não errar.


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