São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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CRÍTICA

A promessa da Globo

EUGÊNIO BUCCI

AO LONGO da semana passada, o "Jornal Nacional" dedicou dez minutos de suas edições diárias aos principais candidatos à Presidência da República. Ciro Gomes falou na segunda-feira. Ao vivo. Na terça, foi a vez de Garotinho. Serra compareceu à emissora na quarta, e Lula daria entrevista na quinta, após o fechamento desta edição. Esse novo espaço representa um progresso. Alguns críticos lamentam, com razão, o tom um tanto gélido das arguições, dando na gente uma impressão de que aquilo é um exercício escolar, um treinamento de estagiários. Reclamam, também, que os apresentadores, por despreparo ou cortesia, deixam os políticos à vontade demais. É verdade. Mesmo assim, temos aí uma possível melhora na cobertura que a Globo faz das eleições.
Falar em melhora não é exagero. Volte-se no tempo e se terá uma noção do contraste. Em 1989, principalmente depois do primeiro turno, um dos candidatos, Fernando Collor, gozava do mais descarado favorecimento em todos os programas globais. O outro, Luiz Inácio Lula da Silva, foi alvo de asperezas e, às vezes, de maldades. Naquele ano, a rede de Roberto Marinho fez as vezes de cabo eleitoral de Collor, para quem os minutos eram mais longos, os enquadramentos eram mais limpos, as edições eram mais simpáticas. Assim foi e ninguém mais discute nem nega. É um fato.
Há vários outros exemplos de desvios do mesmo tipo, e isso até recentemente. Em março deste ano, a Globo aceitou veicular merchandising do governo do Maranhão na novela "O Clone" na mesma semana em que a governadora daquele Estado, Roseana Sarney, era a grande estrela das propagandas políticas de seu partido, o PFL, e isso nos intervalos comerciais da novela. Era adulação de Roseana no meio da trama ficcional de "O Clone" e promoção de Roseana nos intervalos comerciais, num dueto que nunca esteve a serviço de um outro candidato. Foi um favorecimento escandaloso, que só não teve maiores consequências porque Roseana Sarney foi soterrada, como se sabe, por uma pilha de dinheiro.
Agora, no início da campanha de 2002, os sinais são menos degradantes. O "Jornal Nacional" está prometendo que será apartidário. Tomara que consiga. Na verdade, não importa muito se o clima das entrevistas do "Jornal Nacional" não foi, ao menos na maior parte delas (escrevo sem ter visto a que foi ao ar na quinta-feira), contagiante, empolgante ou incisivo. Importa que, em igualdade de condições, os principais candidatos tiveram os microfones abertos no "Jornal Nacional", ao vivo. Isso é um dado novo e animador.
Para o debate político, é mais espaço que se abre. Para a Globo, é uma transição estratégica. Trata-se de uma reorientação de fundo para proteger e valorizar sua credibilidade jornalística. O "Jornal Nacional" precisa se livrar da pecha de governista (segundo alguns) ou de manipulador (segundo outros) e precisa se oferecer ao eleitor como um palco privilegiado do diálogo democrático. Faz isso tardiamente, de um modo bastante desengonçado, com hesitações típicas de neófito, mas faz. Tem que fazer. Não por acaso, uma outra rodada de entrevistas está agendada para o "Jornal da Globo", nos primeiros dias de agosto. O mérito, se é que se pode falar em mérito, não é propriamente da Globo: é antes da pressão do público e das emissoras concorrentes. A Globo apenas acordou para a urgência do desafio.
Fora isso, não deveria ser surpresa que as entrevistas tenham sido previsíveis, formais, frígidas. O "Jornal Nacional" não tinha o hábito das contendas acaloradas, próprias da democracia. Terá de adquiri-lo. Confiante, promete ao público uma cobertura mais equilibrada e mais quente, capaz de extrair dos políticos revelações relevantes. Resta saber se honrará o compromisso. Ou se tudo não passa de promessa de campanha.



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