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CRÍTICA
A promessa da Globo
EUGÊNIO BUCCI
AO LONGO da semana passada, o "Jornal Nacional"
dedicou dez minutos de suas edições diárias aos
principais candidatos à Presidência da República.
Ciro Gomes falou na segunda-feira. Ao vivo. Na terça, foi a vez de Garotinho. Serra compareceu à emissora na
quarta, e Lula daria entrevista na quinta, após o fechamento
desta edição. Esse novo espaço representa um progresso. Alguns críticos lamentam, com razão, o tom um tanto gélido
das arguições, dando na gente uma impressão de que aquilo é
um exercício escolar, um treinamento de estagiários. Reclamam,
também, que os apresentadores,
por despreparo ou cortesia, deixam os políticos à vontade demais. É verdade. Mesmo assim,
temos aí uma possível melhora
na cobertura que a Globo faz das
eleições.
Falar em melhora não é exagero. Volte-se no tempo e se terá
uma noção do contraste. Em
1989, principalmente depois do
primeiro turno, um dos candidatos, Fernando Collor, gozava do
mais descarado favorecimento
em todos os programas globais.
O outro, Luiz Inácio Lula da Silva, foi alvo de asperezas e, às
vezes, de maldades. Naquele ano, a rede de Roberto Marinho
fez as vezes de cabo eleitoral de Collor, para quem os minutos
eram mais longos, os enquadramentos eram mais limpos, as
edições eram mais simpáticas. Assim foi e ninguém mais discute nem nega. É um fato.
Há vários outros exemplos de desvios do mesmo tipo, e isso
até recentemente. Em março deste ano, a Globo aceitou veicular merchandising do governo do Maranhão na novela "O
Clone" na mesma semana em que a governadora daquele Estado, Roseana Sarney, era a grande estrela das propagandas
políticas de seu partido, o PFL, e isso nos intervalos comerciais da novela. Era adulação de Roseana no meio da trama
ficcional de "O Clone" e promoção de Roseana nos intervalos
comerciais, num dueto que nunca esteve a serviço de um outro candidato. Foi um favorecimento escandaloso, que só não
teve maiores consequências porque Roseana Sarney foi soterrada, como se sabe, por uma pilha de dinheiro.
Agora, no início da campanha de 2002, os sinais são menos
degradantes. O "Jornal Nacional" está prometendo que será
apartidário. Tomara que consiga. Na verdade, não importa
muito se o clima das entrevistas do "Jornal Nacional" não foi,
ao menos na maior parte delas (escrevo sem ter visto a que foi
ao ar na quinta-feira), contagiante, empolgante ou incisivo.
Importa que, em igualdade de
condições, os principais candidatos tiveram os microfones abertos
no "Jornal Nacional", ao vivo. Isso é um dado novo e animador.
Para o debate político, é mais
espaço que se abre. Para a Globo,
é uma transição estratégica. Trata-se de uma reorientação de fundo para proteger e valorizar sua
credibilidade jornalística. O "Jornal Nacional" precisa se livrar da
pecha de governista (segundo alguns) ou de manipulador (segundo outros) e precisa se oferecer ao
eleitor como um palco privilegiado do diálogo democrático. Faz
isso tardiamente, de um modo bastante desengonçado, com
hesitações típicas de neófito, mas faz. Tem que fazer. Não por
acaso, uma outra rodada de entrevistas está agendada para o
"Jornal da Globo", nos primeiros dias de agosto. O mérito, se
é que se pode falar em mérito, não é propriamente da Globo: é
antes da pressão do público e das emissoras concorrentes. A
Globo apenas acordou para a urgência do desafio.
Fora isso, não deveria ser surpresa que as entrevistas tenham sido previsíveis, formais, frígidas. O "Jornal Nacional"
não tinha o hábito das contendas acaloradas, próprias da democracia. Terá de adquiri-lo. Confiante, promete ao público
uma cobertura mais equilibrada e mais quente, capaz de extrair dos políticos revelações relevantes. Resta saber se
honrará o compromisso. Ou se tudo não passa de promessa
de campanha.
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