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Especialistas condenam a banalização da violência e das tragédias na TV no horário vespertino; programas infantis agora são uma raridade nos canais abertos
Tardes trágicas
Reprodução
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O palhaço Bozo, que durante anos foi atração nas tardes do SBT, e, no detalhe, a ex-modelo Marcia Ferro, agredida pelo ex-marido |
FERNANDA DANNEMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
JÁ VAI longe o tempo em que a tarde
na TV era dedicada às crianças. Capitão Aza, a turma da Vila Sésamo, do Sítio
do Picapau Amarelo, Shazan e Xerife,
Capitão Furacão, Xuxa, Angélica e outros ícones dos anos 60, 70 e 80 deram lugar a cenas de linchamento, tentativas de
suicídio, reconstituições de crimes bárbaros e tiroteios de verdade.
Apesar dos programas de Eliana (Record, 14h) e da tarde da TV Cultura, totalmente composta por atrações infantis,
muitos meninos e meninas preferem as
atrações mais pesadas.
Cerca de 16% do público de Márcia
Goldshimidt ("Hora da Verdade",
16h30), por exemplo, é composto por
pessoas que têm entre quatro e 17 anos.
O "Cidade Alerta" (Record, 17h45) foi
visto em novembro por cerca de mais de
110 mil telespectadores nessa faixa etária,
segundo o Ibope.
Para o ex-vice-presidente de Operações e atual consultor da TV Globo, José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, a
globalização encolheu as verbas publicitárias para programas infantis.
"Mas isso não justifica a exploração da
violência, do sexo e das fofocas. É evidente que a cobertura de polícia, serviços, direitos e defesa do consumidor são temas
populares e importantes, mas não podem ser tratados de forma apelativa", diz
Boni.
O novelista Walter Negrão, criador de
"Shazan e Xerife", um dos maiores sucessos juvenis da década de 70, critica a
violência como cultura. "Nenhuma violência dramatúrgica se compara aos programas de vampiros e urubus, feitos em
cima da desgraça alheia", diz ele.
Para o psiquiatra Marcio Bernik, coordenador do ambulatório de ansiedade
da faculdade de medicina da USP, a audiência desses programas torna-se cativa
por causa de um processo químico.
"Para quem gosta de adrenalina, o efeito prazeroso dessas informações provoca vício. Com isso, a TV aumenta o teor
para que a pessoa não consiga desgrudar
os olhos da tela. É como a dependência
do cigarro, com igual liberação de dopamina nas mesmas estruturas cerebrais",
afirma.
Reação No Colégio Equipe, na zona
sul de São Paulo, alunos do ensino médio
se uniram a organizações não-governamentais e associações de moradores de
áreas como Capão Redondo e Jardim
Ângela, para lançar um manifesto que
propõe um Centro de Defesa do Telespectador.
A psicanalista e escritora Maria Rita
Kehl, que integra a ONG TVer, afirma
que a exposição de violência na TV prepara as crianças para responder violentamente a conflitos que poderiam ser tratados com civilidade.
"A TV banaliza o mal; se deseduca o
adulto, imagine a criança", questiona ela.
A pedagoga e terapeuta familiar Lena
Bartman, que há 25 anos trabalha com
crianças, vê outro problema. "Exposta a
um bombardeio de notícias violentas
que ainda não tem maturidade para entender, a criança passa a ter uma visão
catastrófica do mundo", diz.
O juiz Siro Darlan, titular da 1ª Vara da
Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, está convicto da influência maléfica
do festival vespertino de violência. "Já
ouvi depoimentos de crianças que furtaram porque viram na TV e acharam fácil", afirma.
Segundo ele, outros países já estão se
prevenindo: "Isso é tão grave que a comunidade européia, que é a sede da liberdade de expressão, proíbe cenas dessa natureza. Todos têm consciência dos
males que essa veiculação causa às crianças e mesmo aos idosos".
Outro Lado "Meu programa não é
policial, ele discute questões sociais e cidadania", diz Marcelo Rezende, apresentador do "Repórter Cidadão" (Rede TV!,
16h30), explicando que, semanas atrás,
apareceu manuseando armas de grosso
calibre para denunciar a inferioridade do
armamento policial.
Segundo Rezende, a "abordagem social" de seu programa aumentou a audiência e atraiu um público em que 83%
são maiores de 18 anos.
Na Bandeirantes, Roberto Cabrini, à
frente do "Brasil Urgente" (18h), diz que
é imoral mostrar só violência. "Mas, se
for de forma crítica, cobrando das autoridades e apontando soluções, então é
um serviço à sociedade", afirma.
Para José Luis Datena, do "Cidade
Alerta" (Record, 17h45), a violência está
nas ruas, e a culpa é do governo. "A TV
está ali pra ser ligada; quem quiser, assiste, quem não quiser, mude de canal", diz.
Mas o deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP), que lidera uma campanha contra a baixaria na TV, afirma que
o problema está justamente nessa visão.
"Esses programas estimulam a sociedade a ser mais violenta e a exigir mais
violência estatal. Não quero ser censurado no meu direito de ter canais que ofereçam programação educativa e que favoreçam a paz. As emissoras ditam o que
devo assistir: se mudo de canal, a programação é a mesma. Espero que o novo governo estabeleça um código de ética na
TV", afirma.
Procurados pelo TV Folha durante a
última semana, Márcia Goldshimidt e
João Kléber não retornaram as ligações.
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