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Mais um campeão de audiência
Associated Press - 27.fev.2003
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O líder Saddam Hussein, do Iraque, durante entrevista concedida à rede norte-americana CBS neste ano |
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
ALESSANDRA VITÓRIA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES
ESQUEÇA as imagens estáticas e
mudas em fundo preto e um suarento general Norman Schwarzkopf
apontando para risquinhos ilegíveis e
lousas de giz com um bastão, que foram
a marca registrada da Guerra do Golfo,
em 1991.
Se, e quando, acontecer, a Guerra do
Iraque vai ser antes de tudo um espetáculo montado para agradar às emissoras
de TV norte-americanas -leia-se, o público médio do país, que é, em última
análise, o que preocupa a Casa Branca.
Acostume-se com esta imagem: o general Tommy Frank, com uma farda impecável, atrás de um pequeno púlpito,
sobre um palco montado no Comando
Central dos Estados Unidos, no Qatar.
Atrás e ao redor dele, US$ 1,2 milhão em
design e equipamento de última geração.
Sobre um fundo cinza, um mapa-múndi eletrônico de 12 metros mostrará
as últimas movimentações. Cinco TVs
de plasma de 50 cm, dois telões de 70 cm
e relógios digitais comporão o ambiente.
Com ar condicionado, claro.
Só o equipamento do palco onde serão
dadas as entrevistas coletivas à imprensa
custou US$ 250 mil e foi mandado ao Qatar por Fedex (mais US$ 47 mil de despesas de envio). O desenho ficou a cargo do
cenógrafo hollywoodiano George Allison, que trabalhou em filmes B.
O Pentágono fechou um hangar no pequeno país árabe que serve de base para
as operações militares dos EUA, e ali está
montando o centro de imagens que devem influenciar corações e mentes do
mundo todo via emissoras de TV.
"Assim como a guerra, a mídia também mudou, e os militares têm de se
adaptar aos novos tempos", disse James
Wilkinson, diretor de comunicações do
Comando Central. "O melhor é que saiu
muito mais barato que uma única bomba", completou o cenógrafo Allison.
Jornalistas
De seu lado, as principais emissoras norte-americanas também não estão fazendo por menos. Até
agora, mil jornalistas já estão baseados
no Qatar -diferentemente de 1991, Bagdá deve ficar em segundo plano para a
imprensa americana, devido a problemas de segurança.
"Não é mais uma questão de "se" acontecer o conflito, mas de "quando'", afirmou Marcy McGinnis, vice-presidente
de jornalismo da CBS, uma das cinco
grandes dos EUA -as outras são ABC,
NBC, Fox e, no cabo, CNN. Ela espera cobertura ininterrupta nas primeiras 24 a
72 horas que se seguirem à declaração de
guerra.
A rede planeja reportagens ao vivo ao
longo do dia e programas mais longos no
horário nobre, a exemplo da tática utilizada após o ataque de 11 de setembro de
2001, quando a cobertura se prolongou
por quatro dias sem comerciais.
Acontece que transmissão ininterrupta significa prejuízo. Se os EUA entrarem
em guerra, estima-se que cada rede perca
US$ 1 milhão por dia. Só a NBC calcula
suas perdas em US$ 45 milhões. Na época do ataque às torres gêmeas, o prejuízo
total das TVs chegou a US$ 1 bilhão.
Mesmo assim, nenhuma delas quer ficar de fora, de olho no prestígio agregado
pelo jornalismo televisivo em tempos de
crises nacionais. Foi o que aconteceu
com a CNN em 1991, quando saiu da
Guerra do Golfo como potência por ter
sido a única a continuar transmitindo de
Bagdá mesmo depois dos bombardeios.
Agora, a emissora de Atlanta não estará sozinha. Além da competição doméstica acirrada, principalmente com a conservadora Fox News, que a ultrapassou
em audiência, terá de enfrentar a Al-Jazeera, do Qatar, a única a resistir em Cabul (Afeganistão) durante os ataques de
2002.
Equipamentos
A tecnologia
também promete ser uma das estrelas do
"espetáculo". Em menos de dez anos, o
cenário de videofones com imagens sofríveis e satélites pesando toneladas deu
lugar a equipamentos modernos.
Os satélites agora são portáteis e cabem
numa valise, sem falar na praticidade das
câmeras e monitores de alta definição e
laptops com recursos de edição e telefones integrados. Toda a tecnologia, no entanto, não será recurso contra a censura.
Como a maior parte das emissoras terá
o Pentágono como fonte única de informações, pode-se -e deve-se- esperar
manipulações e meias-verdades. "Duvido que a imagem de uma iraquiana carregando uma criança morta seja veiculada nos canais de TV dos EUA", disse o
jornalista e escritor Phillip Knightley.
Australiano, ele é ex-repórter do "Sunday Times" e autor de "The First Casualty" (A Primeira Vítima), sobre o declínio da reportagem de guerra independente. "Num conflito como anuncia ser
esse, a notícia morrerá na intenção", afirmou.
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