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Crítica
O que elas não devem aprender com eles
BIA ABRAMO
SE OS SERIADOS têm bastante a ensinar às novelas em
termos de ritmo, timing e caracterização de personagens, as novelas brasileiras poderiam também dar sua
contribuição no sentido de torná-los menos caretas,
moralistas e conservadores.
As novelas da Globo, bem ou mal, continuam trazendo algumas marcas inovadoras e críticas, no que diz respeito aos
costumes. Em "Mulheres Apaixonadas", por exemplo, o autor Manoel Carlos parece
estar fazendo uma espécie
de laboratório de comportamentos sexuais e amorosos femininos, até agora
quase que sem peias. Tem
moça querendo padre bonito, amor de mulher madura com adolescente, paixão de menina nova, mulheres disputando o mesmo homem, arrivista usando o sexo para tentar subir
na vida, mulher casada que
joga tudo para o alto... A libido feminina corre solta e
em várias modalidades na
novela das "oito".
Não que toda essa variedade queira dizer que os espectadores aceitem de fato
ou aprovem moralmente todos esses comportamentos, e
nem que tudo vá passar pelo crivo do público. Ainda que alguns desses comportamentos mais ousados tendam a sumir
numa guinada de roteiro -o caso mais notório é o do casal
de lésbicas mortas numa explosão de um shopping, numa novela de Silvio de Abreu- ou amenizar-se numa correção e
rumos da história, por algum tempo o público topa conviver
com eles, mesmo que seja para mostrar-se mais ou menos
chocado.
É como se a novela sugerisse ao espectador exercitar a tolerância, com a garantia de que, no momento em que a situação
ultrapassar o suportável, a novela dá um jeito nisso. Será assim, por exemplo, com o casal de lésbicas adolescentes em
"Mulheres Apaixonadas", cujo destino será decidido pelo público, que, para decepção da comunidade GLS, deve ser o
mais conservador, sobretudo porque as garotas são muito jovens.
Já nos seriados norte-americanos, há uma espécie de acordo
com o espectador que vai no sentido oposto, ou seja, em troca
de entretenimento mais garantido, mais afinado e, num certo
sentido, mais descompromissado
com o espectador, em algum momento algum traço da moralidade vai dar seu bote.
Um exemplo, tomado ao acaso
na semana retrasada, pode ilustrar essa diferença. No episódio
de "Gilmore Girls" daquela semana, vimos Rory, a filha adolescente de uma mulher ainda bastante
jovem (ou seja, que engravidou
na adolescência) conversando
com uma amiga, Paris, sobre a
primeira vez desta. A mãe entreouve a conversa, no momento
em que a filha confessa à amiga
que não transou com o namorado, e pensa, em voz alta: "Minha
filha é a melhor". Ao mesmo tempo, tanto Paris quanto Rory, que
competem ferozmente por notas
e outros feitos acadêmicos, estão esperando as cartas de admissão nas universidades mais conceituadas dos Estados
Unidos.
Rory nunca fez sexo com o namorado "porque achou que
não era hora"; Paris acabou de transar. Adivinhem quem será
recompensada? Acertou quem apostou na solução mais idiota, careta e óbvia: ao final do episódio, sabe-se que Paris não
foi admitida em Harvard, enquanto a casta Rory teve como
prêmio pela virgindade mantida a múltipla admissão em
Harvard, Princeton e Yale.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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