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ARTIGO
O engate que protege é o mesmo que danifica
PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA
Desde 2001, tramita no Contran
(Conselho Nacional de Trânsito)
um projeto que regulamenta a
instalação de engates na traseira
de veículos.
A função original do equipamento -servir de reboque para
elementos como trailers ou barcos- foi desvirtuada por "espertos" que, guiados por uma lógica
torta, instalam o equipamento para evitar arranhões no pára-choque e batidas pequenas.
A lógica é duplamente torta
porque não leva em conta estes fatores: a) o engate que protege é o
mesmo que danifica, quando o
carro que tem engate é o que estaciona de ré, ou seja, bombardeia a
dianteira do carro que está parado; b) quem com o ferro fere com
o ferro será ferido, ou seja, o carro
que tem engate pode estar parado
e ser bombardeado por outro que,
portador do tosco acessório, entra
de ré na vaga anterior à ocupada
pelo parceiro de "esperteza".
Espertezas semelhantes são típicas de um povo que ainda não se
libertou da medonha vontade de
levar vantagem em tudo (e que
conta com a omissão ou a lerdeza
do poder público).
O tiro sai pela culatra, meu irmão. Para desentortar a rude lógica dos que instalam o engate na
traseira, seria necessário instalar
outro, na dianteira.
Que lindo! E depois sou obrigado a ouvir dizer que somos um
povo pacífico e solidário.
Risco para os passageiros
Mas o pior ainda está por vir.
Qualquer pessoa que tenha lido
meia linha do "Manual Básico de
Resistência dos Materiais do Professor Zoró" sabe que o engate
pode anular o efeito do pára-choque. "Numa batida, o engate concentra o impacto e o repassa à estrutura do veículo", afirma Carlos
Eduardo Leitão, coordenador da
Câmara de Assuntos Veiculares
do Contran. Ele explica que os
veículos são projetados para sofrer deformações que evitem que
o impacto da batida seja repassado aos passageiros.
"O engate mal instalado pode
atrapalhar esse cálculo e aumentar o risco para os passageiros",
completa.
Uma das medidas do projeto
que tramita no Contran exige que
os engates sejam desmontáveis ou
dobráveis e que não permaneçam
à mostra quando não estiverem
em uso.
"Isso é uma garantia também
para os pedestres, que podem tropeçar no equipamento e se machucar", declara Leitão.
O projeto aguarda aprovação, e
a previsão é que entre em vigor
ainda neste ano. Depois da publicação, os proprietários terão um
ano para se adaptar às regras.
Prejuízo
Além do perigo extra para passageiros e pedestres, quem coloca
engate na traseira do carro como
forma de evitar prejuízos com
amassados ou riscos no pará-choque pode estar fazendo um mau
negócio. O equipamento, que
muitas vezes é aparafusado por
fora, no assoalho do veículo, logo
abaixo do porta-malas, pode até
evitar os arranhões provocados
por algum motorista pouco habilidoso, mas, se estiver mal instalado, pode aumentar o prejuízo no
caso de uma colisão.
Mecânicos ouvidos pela Folha
explicam que, em batidas de pequena intensidade, em que normalmente apenas o pára-choque,
a tampa do porta-malas e as lanternas traseiras sairiam danificados, a existência do engate pode
piorar ainda mais o quadro.
"Em uma colisão por trás, o engate força o assoalho do carro,
que pode se romper, abrindo-se
um rombo embaixo do porta-malas", esclarece Alfredo Fiola,
que coordena o setor responsável
por colisões do Sinderepa (Sindicato das Oficinas Mecânicas Independentes de São Paulo).
Os gastos com o conserto podem ser ainda maiores se materiais como alto-falantes, estepe e
fiação forem danificados.
"Se o objetivo do dono é colocar
o engate apenas para evitar batidinhas e aranhões nos estacionamentos, a relação custo-benefício
pode não compensar", afirma
Walter Marques, da Marques e
Marques Oficina Mecânica.
As montadoras recomendam
que apenas engates homologados
por elas sejam instalados nos carros, desde que se obedeça a certos
pontos específicos, que variam
conforme o carro, para que a estrutura do veículo não sofra. Segundo as montadoras, não há riscos para os passageiros quando as
recomendações são seguidas.
Terceiros
Quem não consegue frear a
tempo e vai de encontro à traseira
do carro da frente também tem de
arcar com um prejuízo maior.
No momento da colisão, o engate concentra o impacto e pode
perfurar o radiador e danificar a
ventoinha do outro veículo, mesmo que a batida seja pequena.
Colaborou Rafael Alves Pereira, free-lance para a Folha
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