São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS 2009 - 2010

Consumo mais complexo

O desejo do consumidor mais sofisticado é por produtos raros, lojas escondidas e marcas inacessíveis

DA REDAÇÃO

Facilidade também enjoa.
Em Tóquio, quem quer comprar roupa do estilista belga Martin Margiela que siga as pegadas pintadas no chão. Não há fachada. Só para iniciados, a loja responde a um anseio batizado de "complex-multiplex" pelo Observatório de Sinais.
Essa tendência descreve um consumidor complexo, que reage à banalização do comprar: "Ele cansou do que é simples. Mas não é anticonsumista, ao contrário. Deseja o inacessível, o raro", explica o sociólogo Dario Caldas. Lojas sem vitrines, produtos difíceis de achar, marcas pouco freqüentadas e a volta das butiques fechadas ilustram a inclinação.
Além de ter o que é difícil, essa gente complexa quer conhecer, quer colher o maior número de dados sobre um produto, mas não quer ser abarrotada de publicidade despersonalizada: "Agora, com a tecnologia, o consumidor tem a chance real de auto-serviço, de buscar informações que não são do telemarketing e sim da janela mágica", diz Caldas, referindo-se à tecnologia RFID (identificação por radiofreqüência). Aquela que permite ao comprador flertar com um produto na vitrine e então tocar uma tela para desdobrar só as informações desejadas sobre aquele item. Sem precisar ouvir besteiras tipo "Essa cor fica linda em você!".
Resultado: muito auto-serviço no varejo, pouca função para o vendedor. "O consumidor quer comprar, o vendedor quer vender e ninguém entendeu ainda que uma atividade não tem nada a ver com a outra. Não quero que me vendam nada. Quero comprar de maneira autônoma, autoral", diz Caldas.
Por trás dessa tendência está o deslocamento do consumo sensorial, que marcava projeções anteriores, para o cerebral. Talvez isso signifique que a gente possa sonhar com publicidade informativa, voltada a aspectos funcionais do produto, menos apelativa.
"Emerge uma neoracionalidade, já explícita na indústria do design", diz o diretor do Observatório de Sinais. Entre os sinais de uma maior revalorização da ciência, ele aponta o sucesso da exposição "The Elastic Mind", organizada pelo MoMA no começo do ano, que mostrou cruzamentos de ciência, arte, design e tecnologia.
O comportamento complexo no consumo tem tudo a ver, segundo essa análise, com o desejo de cruzar o máximo possível de dados, visões de mundo e disciplinas. "É uma tentativa de abarcar um todo e de estancar um processo de fragmentação que o capitalismo pós-industrial só fez avançar. Afinal, tornou-se tão difícil entender coisas tão simples, atividades tão corriqueiras tornaram-se tão complicadas", fala o sociólogo. A mania atual de estocar fotos e palavras em álbuns, verdadeiros "brand books" pessoais, é um traço desse desejo.

De uma tela para outra
As telas proliferam em todo lugar: padaria, táxi, elevador. A referência principal, aqui, é o filósofo Gilles Lipovetsky e seu último livro, "L'Écran Global", ainda não-editado no Brasil.
E agora há uma tela dentro de outra, caso da multi-touch usada pela TV Globo e pela CNN. O iPhone, que começa a ser vendido no Brasil em novembro, está na corrente das telas sensíveis ao toque, tecnologia que deve ser usada também pela Apple, em laptops.
"Complex-multiplex" remete também à justaposição de imagens sem hierarquização em que se transformou a cultura, produzindo uma história sem começo nem fim, como diz Caldas: "É uma metáfora útil para o entendimento da moda e do consumo". (HELOÍSA HELVÉCIA)


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