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TENDÊNCIAS 2009 - 2010
Consumo mais complexo
O desejo do consumidor mais sofisticado é por produtos raros, lojas escondidas e marcas inacessíveis
DA REDAÇÃO
Facilidade também enjoa.
Em Tóquio, quem quer comprar roupa do estilista belga
Martin Margiela que siga as pegadas pintadas no chão. Não há
fachada. Só para iniciados, a loja responde a um anseio batizado de "complex-multiplex" pelo Observatório de Sinais.
Essa tendência descreve um
consumidor complexo, que
reage à banalização do comprar: "Ele cansou do que é simples. Mas não é anticonsumista, ao contrário. Deseja o inacessível, o raro", explica o sociólogo Dario Caldas. Lojas sem
vitrines, produtos difíceis de
achar, marcas pouco freqüentadas e a volta das butiques fechadas ilustram a inclinação.
Além de ter o que é difícil, essa gente complexa quer conhecer, quer colher o maior número de dados sobre um produto,
mas não quer ser abarrotada de
publicidade despersonalizada:
"Agora, com a tecnologia, o
consumidor tem a chance real
de auto-serviço, de buscar informações que não são do telemarketing e sim da janela mágica", diz Caldas, referindo-se à
tecnologia RFID (identificação
por radiofreqüência). Aquela
que permite ao comprador flertar com um produto na vitrine
e então tocar uma tela para desdobrar só as informações desejadas sobre aquele item. Sem
precisar ouvir besteiras tipo
"Essa cor fica linda em você!".
Resultado: muito auto-serviço no varejo, pouca função para
o vendedor. "O consumidor
quer comprar, o vendedor quer
vender e ninguém entendeu
ainda que uma atividade não
tem nada a ver com a outra.
Não quero que me vendam nada. Quero comprar de maneira
autônoma, autoral", diz Caldas.
Por trás dessa tendência está
o deslocamento do consumo
sensorial, que marcava projeções anteriores, para o cerebral. Talvez isso signifique que
a gente possa sonhar com publicidade informativa, voltada a
aspectos funcionais do produto, menos apelativa.
"Emerge uma neoracionalidade, já explícita na indústria
do design", diz o diretor do Observatório de Sinais. Entre os
sinais de uma maior revalorização da ciência, ele aponta o sucesso da exposição "The Elastic
Mind", organizada pelo MoMA
no começo do ano, que mostrou cruzamentos de ciência,
arte, design e tecnologia.
O comportamento complexo
no consumo tem tudo a ver, segundo essa análise, com o desejo de cruzar o máximo possível
de dados, visões de mundo e
disciplinas. "É uma tentativa de
abarcar um todo e de estancar
um processo de fragmentação
que o capitalismo pós-industrial só fez avançar. Afinal, tornou-se tão difícil entender coisas tão simples, atividades tão
corriqueiras tornaram-se tão
complicadas", fala o sociólogo.
A mania atual de estocar fotos e
palavras em álbuns, verdadeiros "brand books" pessoais, é
um traço desse desejo.
De uma tela para outra
As telas proliferam em todo
lugar: padaria, táxi, elevador. A
referência principal, aqui, é o filósofo Gilles Lipovetsky e seu
último livro, "L'Écran Global",
ainda não-editado no Brasil.
E agora há uma tela dentro
de outra, caso da multi-touch
usada pela TV Globo e pela
CNN. O iPhone, que começa a
ser vendido no Brasil em novembro, está na corrente das
telas sensíveis ao toque, tecnologia que deve ser usada também pela Apple, em laptops.
"Complex-multiplex" remete também à justaposição de
imagens sem hierarquização
em que se transformou a cultura, produzindo uma história
sem começo nem fim, como diz
Caldas: "É uma metáfora útil
para o entendimento da moda e
do consumo".
(HELOÍSA HELVÉCIA)
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