São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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Falta água no marco do programa contra fome

Mônica Rodrigues da Costa/Folha Imagem
Crianças moradoras do município de Guaribas (PI), um dos mais pobres do país, brincam com burro


MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ENVIADA ESPECIAL A GUARIBAS

Para chegar a Guaribas -cidade onde serão anunciadas as primeiras medidas do programa Fome Zero, no próximo dia 10- partindo de Teresina, é preciso viajar cerca de 650 km numa estrada que passa do asfalto à piçarra esburacada, além de ter trechos de areia, sob o sol escaldante.
Por volta das 14h, o hotel Ferreira era o único, no início de dezembro de 2002, em que era possível almoçar. Cortinas substituíam as portas dos quartos. A dona do estabelecimento ofereceu como almoço bode e capote (galinha d'angola) ensopados, acompanhados de farinha, arroz e feijão.
Para beber, refrigerante, pois ninguém da equipe de transição e diagnóstico do governo de Wellington Dias (PT-PI) quis tomar água. "Na última vez em que estivemos em Guaribas e bebemos água, fomos parar no hospital", disse o motorista Aldo Brito, 46.
A coordenação dessa equipe, do programa Fome Zero no Piauí, está sob a responsabilidade de Rosângela Sousa, 50, assistente social e professora da Universidade Federal do Piauí. O grupo preparava o diagnóstico enquanto a reportagem da Folha conversava com os moradores da cidade sobre os problemas mais graves da região: miséria, subnutrição, seca.
A população de Guaribas soma 4.814 habitantes, segundo o censo do IBGE de 2000, e só 1% tem água encanada e banheiro com vaso sanitário. Chuveiro é luxo.
As ruas são de barro, e só o posto de saúde, a casa do prefeito, a igreja e alguns poucos prédios têm pintura. Moram ali cerca de mil pessoas. O restante fica em povoados rurais. As casas de Guaribas, que se divide em povoados ou localidades, são todas de taipa.
A vegetação da cidade não ajuda a refrescar do calor. Do alto dos povoados, avistam-se campos abertos, com babaçu, palmeira comum na região, e cactos.
Mulheres e adolescentes andavam para lá e para cá com baldes e latas na cabeça. Perto dos olhos d'água Santinha e Mãe D'água esse movimento era intenso. Nessa fonte, a água apenas pinga. É preciso deixar baldes e bacias por toda a noite para enchê-los.
Na fonte Mãe D'água, Socorro levava um balde na cabeça e falou sobre fome e ausência de água: "Passar fome é não achar o que cozinhar, é dor no corpo de sofrer... Mas o pior é a falta d'água. Nós bota [sic" as bacias, bota os baldes, eu venho duas, três vez aqui, e fica esperando até quatro horas". Da casa dela, a distância é de cerca de um quilômetro.
Rosa Maria Matias da Silva explicou que a situação é difícil. "Ó, meu irmão, é muita gente, e a gente não pode uns pegar e deixar os outro sofrer, tem de repartir o pão." Rosa conta que não recebe nada do governo ou da prefeitura. "Graças a Deus, não, meu salário é só os braços meu e de meu marido, que trabalha na roça quando Deus dá um bom inverno."
Guaribas é o terceiro pior município brasileiro em Índice de Desenvolvimento Humano. A cidade não dispõe de coleta pública de lixo e tem 10,8% de domicílios ligados à rede de energia elétrica, segundo versão do "Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental do Município de Guaribas".

A jornalista MÔNICA RODRIGUES DA COSTA viajou a Guaribas com apoio da Pastoral da Criança


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