São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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"ESQUELETOS"

Dívidas da Rede Ferroviária Federal e da Telebrás podem chegar a R$ 6,4 bi; bomba pode estourar em maio

Lula herda duas empresas "mortas vivas"

HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Duas empresas "mortas vivas" vão assombrar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva com dívidas que podem chegar a R$ 6,4 bilhões.
Os esqueletos são os passivos (dívidas trabalhistas, cíveis e tributárias) da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) e da Telebrás, estatais que resistiram ao processo de privatização dos setores ferroviário e de telecomunicações e até hoje não foram liquidadas.
A principal bomba de efeito retardado pode começar a estourar no final de maio, data prevista para a liquidação da RFFSA. Técnicos do governo avaliam que o tamanho do passivo da empresa a ser herdado pelo Tesouro pode chegar a R$ 6 bilhões.
O rombo ferroviário acabará afetando as finanças do Estado de São Paulo. Do total do passivo da Rede, R$ 2,4 bilhões são da antiga Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), que pertencia ao governo do Estado até 1997, quando foi comprada pela RFFSA. Essa dívida o governo federal pretende repassar para o governo de São Paulo.
Os liquidantes da Rede têm números menos pessimistas do que os técnicos do governo federal, mas igualmente grandiosos: R$ 2,3 bilhões de dívida trabalhista, sendo R$ 783 milhões no curto prazo. O problema é que esses números se referem ao fechamento de 2001.
A Rede enfrenta uma enxurrada de ações na Justiça, o que eleva o valor da dívida. Só em 2002, cerca de 3.700 novas ações contra a Rede foram abertas. Esses processos vão se juntar a aproximadamente 36 mil ações em tramitação contra a estatal, em cerca de 670 comarcas em todo o país.
Quando a liquidação for feita, o passivo passa para o governo federal, e o pagamento das ações começará a ser feito por meio de precatórios. Nessa etapa do processo, o governo espera conseguir reduzir a dívida em aproximadamente 40% com negociações com os credores.
Para que a liquidação seja concluída, a Rede precisa se desfazer de aproximadamente 71 mil bens "não-operacionais" -sendo cerca de 29 mil imóveis. A estimativa é que esses bens valham cerca de R$ 1,4 bilhão.
Em tese, uma liquidação termina quando acabam os passivos (todas as dívidas são pagas) ou os ativos (todos os bens são vendidos). No caso da Rede, o passivo é muito grande, e os ativos têm baixa liquidez.
Os imóveis estão em locais difíceis para serem vendidos, e boa parte dos bens que são eventualmente leiloados acaba penhorada para pagamento de dívidas.

Telebrás
A Telebrás vive uma situação peculiar -não está em processo de liquidação nem em funcionamento. No último dia 17, houve até uma reunião do conselho administrativo, com a presença do então ministro Juarez Quadros (Comunicações), presidente do conselho.
O nome técnico para a situação da empresa é "processo de descontinuidade". Na verdade, hoje a Telebrás existe apenas para que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) não pare de funcionar por falta de pessoal especializado (leia texto nesta página).
O passivo a ser assumido pelo governo federal quando a empresa for liquidada é menor do que o da Rede, mas não desprezível: pode chegar a aproximadamente R$ 442 milhões.
Oficialmente, já contabilizados, são R$ 38 milhões para desligamento de pessoal e R$ 83 milhões para 533 processos judiciais, cíveis, tributários e trabalhistas. Total: R$ 121 milhões.
Na parte da dívida que não precisa estar no balanço, mas tem de constar das notas técnicas, está a parte mais pesada: R$ 236 milhões, correspondentes a outros 164 processos judiciais.
Além disso, a Telebrás espera ser ressarcida pela Receita Federal em aproximadamente R$ 85 milhões. Tudo somado, o valor total com a liquidação chegaria aos R$ 442 milhões.

Suspender processo
O ministro Miro Teixeira (Comunicações) deverá recomendar ao presidente Lula que suspenda o atual processo de descontinuidade da Telebrás e não liquide a empresa. "Parte do quadro de pessoal da estatal poderá ser usado no próprio ministério", disse Teixeira.
De acordo com o ministro, a empresa não deverá ser liquidada para que não se perca pessoal qualificado, que também poderá ser usado na Anatel. Em relação ao passivo da estatal, o ministro disse que esse é um assunto a ser tratado pela AGU (Advocacia Geral da União). "São processos que correm na Justiça", disse.
O ministro disse que parte do quadro da Telebrás poderia ser usada em uma secretaria de telecomunicações, a ser criada no ministério. "Essa secretaria faria o planejamento do setor, ajudaria a elaborar políticas, e a Anatel faria a fiscalização", disse Teixeira.
A criação da secretaria de telecomunicações no ministério faz parte da política do novo governo de retirar das agências a possibilidade de fazer política e planejamento.
O ministro Anderson Adauto (Transportes) afirmou que uma das hipóteses para a RFFSA é a paralisação da liquidação da empresa. "Propriedades da Rede estão indo a leilão, isso é uma das coisas que nós levaremos ao presidente da República. É uma decisão de governo se devemos paralisar ou não o processo", disse
Segundo a Folha apurou, a equipe de transição do PT recomendou ao partido que pedisse ao governo de Fernando Henrique Cardoso que não fizesse a liquidação da Rede em dezembro. A liquidação foi adiada para o final de maio.



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