São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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ANÁLISE

Só depende do mercado o Brasil pagar ou não sua dívida

STEPHANY GRIFFITH-JONES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil enfrentará uma crise e será obrigado a reestruturar sua dívida? Banqueiros, detentores de títulos e agências de classificação examinam os dados econômicos sobre o Brasil para encontrar a resposta. Mas deveriam estar olhando para si mesmos e uns para os outros para encontrar a resposta. Se o Brasil sofrerá ou não uma crise depende principalmente das expectativas do mercado.
O Brasil tem muitas forças. Nos últimos anos teve políticas macroeconômicas prudentes e bem administradas. O país praticou uma política monetária de sucesso com base em metas de inflação e, durante três anos, manteve política de taxa de câmbio flutuante. Ambas são opções excelentes, coerentes com o que se considera internacionalmente o melhor para os emergentes. Além disso, o novo acordo de US$ 30 bilhões com o FMI exige que este governo e o novo mantenham superávit fiscal primário de 3,75% do PIB.
O novo programa do FMI tem várias virtudes. O empréstimo é grande, fornecendo recursos significativos para ajudar o Brasil a pagar o serviço da dívida e manter o crescimento. As condições do Fundo são bem concentradas, tornando muito simples para qualquer governo cumpri-las. Os desembolsos são garantidos, dando ao novo governo um incentivo de US$ 24 bilhões para manter superávit primário necessário para colocar em rota descendente a proporção entre a dívida pública e o PIB, como enfatizou recentemente uma análise da Fitch Ratings. Ainda mais tranquilizador: todos os candidatos presidenciais se comprometeram a manter essa meta de superávit, caso eleitos. Isso e outras evidências implicam que uma moratória induzida por políticas da nova gestão é extremamente improvável.
Há outras características positivas na economia brasileira: sistema bancário saudável, alto nível de investimentos estrangeiros diretos, forte capacidade de coletar impostos e transparência impressionante do BC em seus atos.
A principal fraqueza do Brasil é sua dívida externa. Como salientou claramente John Williamson, o nível da dívida externa não é excessivo em si, e só é problemático se os mercados e bancos continuarem a considerá-lo como tal. A percepção incorreta do risco de moratória está aumentando o risco-país do Brasil para mais de 2.000 pontos, um nível totalmente incoerente com os fortes fundamentos do Brasil. Porém, se mantido nesses níveis irreais, o custo da renovação da dívida a médio e longo prazo será muito alto.
O que causa preocupação mais imediata é que apenas 20% a 30% das linhas comerciais estariam sendo renovadas para os exportadores brasileiros.
As autoridades brasileiras estão ajudando a manter o crédito às exportações financiando-o com as reservas de moeda estrangeira, um uso legítimo dessas reservas. Opção ainda melhor poderia ser tentar superar os atuais problemas de ação coletiva, em que as reivindicações de um credor individual dependem da disposição de outros credores a rolar os empréstimos. Isso já foi feito com sucesso pelo próprio Brasil em 1999.
Os bancos internacionais anunciaram que vão rolar os créditos de curto prazo. Seria importante que isso fosse acompanhado por um sistema de monitoramento para garantir que os bancos renovem as linhas como prometido.
As apostas são incrivelmente altas. Se o Brasil tiver uma grande crise, o custo para os brasileiros e outros latino-americanos será terrível. Poderia haver uma reação regional contra o modelo voltado para o mercado. Para que os mercados mantenham seu apoio na América Latina, devem agir racionalmente e refinanciar a dívida do Brasil a um custo razoável. Os bons fundamentos do Brasil suportam essa ação.


Stephany Griffith-Jones é professora na Universidade de Sussex (Inglaterra).


Tradução de Luiz Roberto Golçalves

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