São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Unilateralismo dos EUA compromete seu poder global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A supremacia econômica e militar alcançada pelos EUA com o fim da Guerra Fria (pós-1989) afinal gerou um isolamento que pode ser fatal para o seu poder imperial. Nas últimas semanas, após o anúncio de uma nova política externa militarista e unilateral, levantou-se praticamente em todo o mundo uma onda de protestos e reações oficiais, mas também da sociedade civil, contra o império.
No front doméstico as dificuldades também são significativas. Desde o 11 de setembro, a propaganda do governo Bush vem sofrendo uma perda progressiva de aderência. Cresce o número de políticos do Partido Democrata que se opõem abertamente ao presidente.
Mas talvez o evento doméstico mais forte seja a paralisação dos portos da Costa Oeste. A paralisação nos maiores portos dos EUA, que já dura uma semana, pode ser decisiva para precipitar uma nova recessão.
Se os portuários não voltarem logo aos seus postos, o comércio das economias asiáticas com os EUA estará a tal ponto comprometido que toda a região mergulhará em nova crise. Nos EUA, as empresas operam com estoques mínimos. Uma interrupção de alguns dias no fornecimento de insumos e componentes compromete rapidamente toda a linha de produção.
O unilateralismo militarista também tem impactos econômicos negativos. As ameaças ao Iraque já duram oito meses. A tensão permanente força uma alta dos preços do petróleo.
Não é fatal para os EUA, mas complica bastante a situação de economias mais dependentes de importações de petróleo, sobretudo União Européia e Japão. Quanto mais difícil a recuperação nessas regiões, menores as chances de reerguimento da própria economia americana.
O "prêmio de risco" associado à guerra contra o Iraque é situado por especialistas em US$ 8, num preço médio do barril do tipo Brent que chegava, na semana passada, a US$ 29. É o dobro do que custava há 18 meses.
Outro paradoxo da supremacia dos EUA é a tendência do dólar a se valorizar num contexto de crise militar global, ainda que a perda de dinamismo econômico atue no sentido contrário (da desvalorização do dólar).
Na economia americana, o custo da ameaça militar é duplo: afeta as perspectivas de crescimento e aumenta os riscos de inflação, tornando menos plausível uma nova redução na taxa de juros (que já está no nível mais baixo dos últimos 40 anos). Para alguns economistas, só uma queda ainda maior dos juros teria o dom de levar os EUA à recuperação. Em alguns setores já combalidos, como a aviação civil, os prejuízos com a alta do petróleo tendem a aumentar ainda mais.
Finalmente, a estratégia imperial de Bush aposta na reedição da clássica receita republicana de política econômica: aumentar gastos militares e reduzir impostos. Aumenta o déficit público. Quem financiará esse Estado imperial desequilibrado e politicamente fragilizado?
Os governos (em especial, agora, os europeus) resistem como podem ao unilateralismo militarista. Mas as empresas e os investidores, em suma, os capitalistas globais, tendem a se refugiar nos EUA com a piora do quadro global.
Seria conspiratória ou paranóica a hipótese de que a política de Bush busca estrategicamente esse resultado, apostando no "quanto pior, melhor". O mais provável é que estejamos diante do paradoxo de uma superpotência em crise que, tentando reafirmar a todo custo sua hegemonia, apenas torna a cada dia mais precárias as bases internas e externas de sua dominação.


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