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LUÍS NASSIF
O violão brasileiro
Quem representa a "alma
brasileira", essa mistura de
simplicidade e nostalgia, de talento e lirismo? Os meninos da Mangueira sambando, os do Pelourinho batucando, um choro do Pixinguinha, uma ginga de Mané,
Didi no gol da Suécia, a "chaleira"
de Pelé, os versos de Castro Alves,
acordes de Tom Jobim, os tabuleiros da baiana, os profetas de Congonhas, os maracatus de Recife, o
coco do Maranhão?
Para mim, a "alma brasileira"
foi construída pelas mãos de pedreiro de um filho de índia e de
português nascido em Jatobá (PE)
em 1883 e morto em 1947 no Rio
de Janeiro, de nome João Teixeira
Guimarães, alcunha João Pernambuco.
Criança, os "Sons de Carrilhões"
tocado pelo tio Léo entravam pelos ouvidos, invadiam o peito de
um jeito que, quanto mais vivo,
mais me emociona.
Já falei do meu tio carioca que,
na juventude, foi colega de Dilermando Reis e aluno de Levino
Conceição. Tio Léo contava do
conservatório no centro do Rio,
não me lembro se na rua do Catete, em que lecionavam o cego Levino e João Pernambuco.
Da rua do Catete o som de Pernambuco conquistou o mundo.
Foi numa praça de Buenos Aires,
morto de saudades do Brasil, que
ouvi o velho professor argentino
tocando "Sons de Carrilhões" e,
depois, o "Jongo", "Graúna", "Interrogando" e o que mais se pedissem do mestre.
A importância de João Pernambuco para a música brasileira é do
nível da de Villa-Lobos, Pixinguinha e Tom Jobim. Era analfabeto
das letras e das músicas, compunha de ouvido. Parte de sua obra
foi preservada graças a um maestro mineiro que conheci ainda em
vida, em Belo Horizonte, e do qual
não me recordo o nome. João Pernambuco ficava trancado em um
quarto, com medo que roubassem
suas músicas, como tantas vezes
fizeram, me disse ele. Tocava, o
maestro ouvia do lado de fora e
escrevia as partituras.
Órfão de pais, João Pernambuco
passou pelo Recife, aprendeu o
ofício de ferreiro antes de descer
para o Rio de Janeiro, onde chegou com 20 anos. Nos anos 10
montou o conjunto "Trupe Sertaneja" e, depois, constituiu o histórico Turunas da Mauricéia, que
tinha o violão de sotaque flamengo de Meira, o bandolim de Luperce Miranda e o crooner Augusto Calheiros.
A música brasileira começou a
ser moldada por seu som, pelo regionalismo pernambucano que
influenciou de Noel a Sinhô, principalmente a partir da gravação
de "Cabocla de Caxangá", que
inaugura o ciclo da música nordestina no Rio de Janeiro.
O repertório de Pernambuco é
imenso, mas sua música mais conhecida, das mais conhecidas músicas brasileiras do século 20, o
"Engenho de Humaitá", depois
rebatizada de "Luar do Sertão",
de 1911, não está registrada em
seu nome, mas no do parceiro Catulo da Paixão Cearense.
Esse episódio motivou uma discussão que atravessou décadas.
No seu depoimento ao MIS (Museu de Imagem e Som), Pixinguinha informa ter ouvido o "Luar
do Sertão" tocado por João Pernambuco, antes de receber letra
de Catulo.
A chegada de João Pernambuco
ao Rio coincidiu com o início da
indústria fonográfica e com a própria formação do violão brasileiro. João Pernambuco desenvolvia
um estilo de choro diferenciado,
ao lado do niteroiense Levino, de
Villa-Lobos, do paraguaio Agustín Barrios e de Quincas Laranjeiras. Aliás, quem quiser ver uma
foto histórica da época acesse o
endereço www2.correioweb.com.br/cw/2000-11-07/mat-15876.htm.
A escola de violão de João Pernambuco não teve paralelo no
violão brasileiro do século. Por
meio de seu companheiro de
aventura musical, Meira, seu estilo conseguiu seguidores como Dilermando Reis, Canhoto da Paraíba, o próprio Baden Powell.
Aparentemente, é um veio inesgotável. Alguns anos atrás, Alaíde
Costa gravou "Estrada do Sertão", valsa inspiradíssima de Pernambuco que recebeu letra clássica de Hermínio Bello de Carvalho.
Recentemente um jornal de Pernambuco fez uma eleição para saber do pernambucano mais ilustre do século. Concorreram Gilberto Freyre e Luiz Gonzaga. Faltou o violão de João Pernambuco.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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