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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
As quatro frentes
LUCIANO COUTINHO
O governo Lula precisará
vencer desafios simultâneos
em quatro frentes. Com uma política macroeconômica ortodoxa,
terá que agradar aos mercados de
capitais e evitar que o desfinanciamento do desequilíbrio das
contas externas se transforme em
mais choques sobre a taxa de
câmbio e sobre a inflação. Por
meio de uma política agressiva de
comércio exterior, suportada por
eficientes políticas agrícola e industrial, precisará travar a batalha decisiva de construção de um
superávit comercial crescente e
sustentável, condição "sine qua
non" para a recuperação da autonomia do Estado brasileiro. O novo governo precisará, ademais,
dar respostas afirmativas no plano das políticas sociais, com ações
bem focadas e eficazes, dentro de
um quadro de duro constrangimento fiscal. A criatividade para
melhorar a qualidade das políticas sociais será imprescindível para manter o apoio e o reconhecimento da opinião pública -hoje
tão benigna e favorável à pessoa
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Esse último desafio é, por
fim, essencial à difícil tarefa política de manter uma base parlamentar significativamente ampla
e coesa para poder governar.
Não será nada fácil. A margem
de manobra é mínima e é muito
salgado o preço que terá que ser
pago para evitar o risco de um colapso externo com recessão e recrudescimento inflacionário. O
governo FHC deixa uma herança
maligna. O endividamento público deu enormes saltos e persiste
sendo refinanciado sob condições
muito onerosas. O orçamento fiscal está reduzido e sua execução
completamente constrangida pela inexorável necessidade de obter um portentoso superávit primário sob o programa acordado
com o FMI. A autonomia de gasto
do Estado é, portanto, limitadíssima. Acresce que os mecanismos
de governança do Estado sobre os
investimentos estratégicos foram
desestruturados. De fato, os principais instrumentos de funding
foram debilitados (exceção, apenas, do FAT); os sistemas setoriais
de infra-estrutura estão desorganizados e deficientemente regulados por agências insuficientemente capacitadas. Não há estratégia
de longo prazo definida nem,
tampouco, estruturação legal e financeira suficiente para as áreas
de energia elétrica, telecomunicações, saneamento básico e habitação. Salva-se unicamente a Petrobras, que dispõe de um programa
organizado de inversões, com
funding já equacionado. É urgente, por isso, o desafio de conceber
alternativas para regenerar a capacidade pública de investimento
e reorganizar os sistemas setoriais
de infra-estrutura econômica e
social.
A curto prazo o novo governo
terá, ainda, o ônus de enfrentar a
ameaça de retorno da inflação,
posto que o atual deixa a inflação
correndo (média móvel trimestral) ao ritmo de 100% a.a. nos
preços de atacado (IPA) e de 34%
a.a. nos preços ao consumidor
(IPCA). Uma invasão americana
ao Iraque, muito provável, já no
início de 2003, deve afetar os preços do petróleo e reviver a aversão
dos investidores internacionais
ao risco. Mais tensões sobre o
câmbio e sobre a inflação podem,
portanto, emergir e onerar ainda
mais a política macroeconômica.
Nessas circunstâncias o raio de
manobra para políticas e gastos
sociais, já estreito, pode ficar ainda mais restrito pela necessidade
de arrochar a política fiscal e, possivelmente, de negociar com o
FMI um reforço de recursos externos. As contradições entre os objetivos e os meios para avançar nas
quatro frentes tenderiam a ficar
mais agudas. Sob esse cenário
desgastante, será importantíssima a eficiência da articulação política do governo mormente depois que passar a fase de lua-de-mel. Desgastes inúteis precisarão
ser evitados e o encaminhamento
de projetos requererá uma notável capacidade para construir
apoios mais amplos, num novo
contexto legal que limita sobremodo o uso da medida provisória.
Por tudo isso, a política de fomento à exportação (e à substituição competitiva de importações) parece ser única via de liberação dessas contradições ao criar
as condições para, de um lado,
atenuar e depois remover o constrangimento financeiro externo e,
de outro lado, abrir espaços para
o crescimento da produção, do
emprego e da renda. Se não houver clareza do comando do governo para avançar prioritária e incisivamente nessa frente, será vão
o oneroso esforço para cumprir a
compulsória agenda macroeconômica ortodoxa-conservadora
deixada como herança maldita
pelo governo FHC.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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