São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O maestro Léo Peracchi

Do CD sai a voz emocionada de Celine Imbert despejando o mais belo que Tom Jobim produziu em sua vida, as últimas composições da escola da canção brasileira que Villa inaugurou, e que Valdemar Henrique, Heckel Tavares, Jayme Ovalle, Bandeira e alguns outros trouxeram ao longo das décadas, para que o maior dos compositores populares fechasse o ciclo, antes do advento da bossa nova. "Serenata do Adeus", "Modinha", "Eu Sei Que Vou Te Amar", "As Praias Desertas".
O disco não homenageia o compositor, nem as cantoras, de vozes tão lindas e interpretações tão clássicas como Celine, Na Ozetti, Jane Duboc, Tetê Spinola, Vânia Bastos, Mônica Salmado, entre outras, mas o maestro. Léo Peracchi, que Villa-Lobos chamava de maior regentes brasileiro, Radamés chamava de gênio e Tom Jobim chamava de mestre. Aliás, Tom foi apresentado a Peracchi pelo próprio Villa.
É trabalho maiúsculo de Eduardo Gudin que, além de grande compositor, se transformou em uma das referências culturais da MPB de São Paulo. Com a filha caçula de Peracchi, Gudin recuperou as partituras do LP "Por Toda a Minha Vida", gravado em 1959 para o selo Elenco, tendo por intérprete Lenita Bruno, a cantora lírica que Peracchi desposou em 1950, quando ela tinha apenas 21 anos e ele 39. Os arranjos foram reconstituídos pela Orquestra Jazz Sinfônica, criada sob inspiração de Gudin e Arrigo Barnabé.
Peracchi foi um dos renovadores da escola de arranjos brasileiro. Até o seu aparecimento, os arranjos eram peças grandiosas que iniciavam a música com estrondo. A melodia, pela voz do cantor, era apenas um instrumento a mais da orquestra, nem sempre o mais relevante.
Com Peracchi isso tudo muda. A melodia passa a ser a peça central, às vezes prescindindo até de instrumentos. Violinos vão se estendendo sobre a melodia como o lençol de cetim que recobria a cama de nossos pais, pissicatos, cellos, oboés, pianos discretos fazem contrapontos sutis, uma intervenção branda aqui, mais consistente ali. E aquele jeito de dispor os violinos em um acorde contínuo, como uma cortina que se move em ondas, sob efeito de um vento imperceptível, passando de um tom para o outro.
A biografia de Peracchi é das mais ricas da música brasileira. Paulista de nascimento, filho de diretor do conservatório Carlos Gomes, foi arranjador da rádio Nacional do seu período áureo. Sua carreira profissional começou em 1936, como pianista e maestro da rádio Kosmos, de São Paulo. Depois, passou pela Bandeirantes e Educadora e em 1941 foi contratado pela rádio Nacional do Rio de Janeiro. Começava aí a parte mais brilhante de sua carreira.
Na Nacional, foi regente da orquestra sinfônica e participou de inúmeros programas clássicos na rádio Nacional, Canção Antiga, Inspiração, Dona Música, Rádio-Almanaque Kolynos, Poemas Sonoros, Paisagens de Portugal, A Canção da Lembrança, Galeria Musical, Convite à Música Dicionário Toddy. E o maior deles, "Quando os maestros se encontram", em que se revezava com Radamés Gnatalli e Lyrio Panicalli.
Participou de momentos históricos da música brasileira, da estréia de "Orfeu da Conceição", tendo como violonista Luiz Bonfá e pianista Tom Jobim, até o show "Elis e Tom", em 1974 no Teatro Bandeirantes.
Foi para os Estados Unidos por sugestão de Villa-Lobos, permanecendo por lá divulgando a música brasileira. Em 1965 foi nomeado diretor musical da Orquestra Sinfônica de Altoona, na Pensilvânia, cargo no qual permaneceu por dois anos. Lá também dirigiu conjuntos corais e lecionou nas escolas Nossa Senhora de Lourdes e Montessori, além da Universidade da Pensilvânia.
Casou-se pela terceira vez com Nina Campos e em 1968 mudou-se para Belgrado, Iugoslávia, onde trabalhou com a Orquestra Filarmônica da cidade e escreveu o balé Stâmena.
Vítima de derrame, em 1989 foi para o Rio de Janeiro, para ser cuidado pelos filhos.
Em fins de 1992 me deu uma baita vontade de conhecê-lo. Consegui com filha Myran o telefone da casa de repouso em que o maestro se tratava. Tentei acertar a agenda, mas o trabalho mais uma vez foi impiedoso. Pouco depois, em 16 de janeiro de 1993, morria o grande maestro brasileiro.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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